Inspirara-se,
é certo, no modelo romano – que também os Romanos cedo compreenderam a imprescindível
importância do poder local! –, mas os bons resultados estiveram à vista e,
durante o período da organização do
território (nunca podemos esquecer que somos uma das nações mais antigas da
Europa!), para que a terra rendesse e fosse defendida de alheias incursões,
houve cartas de foral distribuídas a rigor, salvaguardando com regras precisas
o que era poder do rei e o que pertenceria à iniciativa local.
Vem
isso a propósito – como logo se compreende – da divisão a regra e esquadro
feita num qualquer gabinete da capital por uns senhores teóricos, que devem ter
lido muitos livros mas, ao que parece, pouco sabem de História e quase nada da
vida dos povos, da psicologia das multidões (para usar a expressão de Gustave
Le Bon). E lembrei-me de imediato o nosso «Frei Luís de Sousa», de Almeid a Garrett: «Voz do povo, voz de Deus, minha
senhora mãe: eles que andam tão crentes nisto, alguma coisa há-de ser». Sim,
claro, também neste caso da extinção
ou junção de freguesias «alguma
coisa há-de ser». Só com uma diferença em relação
à frase da Maria: há-de ser lá de cima, dos tais gabinetes sem janelas para a
realidade, e não do Povo. Sim, Povo com maiúscula, aquele que sabe dar a volta
por cima, que estudou a Vida, que vem comendo o pão que o Diabo ama ssou…
No programa «A Vida dos Sons», que passa na Antena 1, aos sábados,
das 9 às 10, repete-se, no genérico, semana após semana, a frase de José Sarama go pronunciada na Academia Sueca, quando, em
1998, ali recebeu o Prémio Nobel: «O homem mais sábio que conheci em toda a
minha vida não sabia ler nem escrever». Era o avô, analfabeto. Pois cá para
mim, os senhores da régua e do esquadro, dos gabinetes sem janelas para a rua,
são capazes de saber ler (escrever já não acredito muito…), mas só leram as teoria s e não ouviram nunca a voz do Povo. Tenho pena!
Bem fez, portanto,
a Presidência da Câmara Municipal de Cascais quando, no vigoroso comunicado que
emitiu, a 8 de Novembro passado, informou que vai resistir contra a imposição da “insensibilidade, impreparação e incompetência” da Unidade Técnica para a Reorganização Administrativa do Território (UTRAT). UTRAT até é
sigla bonita; lida depressa até faz lembrar outros sons… E, se calhar, o que os
sobreditos técnicos altamente qualificados de régua e esquadro fizeram soar cá
para fora é capaz de ter um som parecido!...
Meninos: aqui,
em Lisboa, em Alguidares de Baixo, em Cacela, por todo o País, há – não sei se
sabem… – Povo, pessoas, gente que labuta num dia-a-dia cada vez mais penoso. E
há juntas de freguesia (parece que ora até nem se lhes pode chama r de ‘juntas’, mas eu nada quero saber dessa nova
legislação , a implicar novos
logótipos e mais despesa…), juntas que têm centros de dia, que organizam jogos
florais, que apoiam as crianças mantendo os parques infantis, que fazem das
tripas coração para fomentar comunidade
e vizinhança, para que sejam cada vez menos os que têm fome, os que ficam
mortos durante três semanas numa casa sem que ninguém disso se aperceba…
Meninos da
UTRAT e dessoutras comissões criadas dia após dia: leiam, sim; mas estudem,
estudem, oiçam quem já viveu algum tempo e, por isso mesmo, adquiriu
experiência. Sabiam que, nas cidades da Grécia antiga (não na actual), havia um
Senado constituído pelos maiores de 60 anos? E era a ele que se recorria para resolver
situações em que o bem-estar do Povo estivesse em causa? Podem não gostar do
Sarama go, podem não saber História, mas
recordem que, para ser sábio, não é preciso saber ler nem escrever; é preciso
ter os pés bem assentes na terra, saber ouvir! E – lembrem-se! – Cascais tem
por lema ser «elevado às pessoas» e não aos números, únicos pontos de
referência, ao que parece, a que os traços dos vossos régua e esquadro dão
importância!
Publicado
em Jornal
de Cascais, nº 326, 21.11.2012, p. 6.
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