quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Carta aberta ao Sr. Prior

            Eu reparei: vinha açodado, o suor perlava-lhe o rosto, nem tivera tempo de tirar a alva, apenas aliviada do cíngulo, com que celebrara a missa na sua igreja, sita a uns 500 metros (nem tanto!) da igreja de vetusto convento franciscano desactivado, adaptada a capela mortuária. Já passava do meio da manhã e tínhamos um calorzinho mediterrânico de Verão.
            Meu primo Raimundo esperava-o à entrada do átrio e disponibilizou-se:
            – Senhor padre, se quiser que eu faça uma leitura…
            Contou-me ele depois que a sua resposta fora:
            – Não temos tempo, estou com muita pressa!
            Minha mãe, que ali esperava por si no caixão desde o dia anterior, essa, senhor padre, para ela não havia já pressa nenhuma, porque entrara no tempo sem tempo. E estranhei, pois, que, na conjuntura… O senhor padre não era a primeira encomendação de alma que fazia, pois não? Por isso pensei que, num momento desses, já não houvesse pressas. Eu sei: o cemitério fechava ao meio-dia, era domingo e o coveiro também tinha direito ao seu descanso. Aliás, teve Vossa Reverência ocasião de o referir várias vezes no decorrer da cerimónia. Mas, senhor padre, eu pensava que sabia da intensidade emotiva do momento, do que ele representa para a família que perde o seu ente querido, ainda que acredite na vida eterna. Sabe, claro! Então ainda não se apercebeu que, aí, não pode ter pressa? Não lhe passou sequer pela cabeça que o pedido do meu primo poderia significar a última homenagem que ele queria prestar à minha mãe? É pena!
            Foram muito bonitas as palavras que nos dirigiu; calaram, fundas, no nosso coração despedaçado; mas, desculpe-me, surgiu-me logo aquele dito «Bem prega Frei Tomás…».
            Tenho a certeza de que reza diariamente o breviário e faz exame de consciência antes de adormecer. Será que pede a Deus para dormir… depressa? Durante a sua formação e no retiro anual a que se entrega deve ter-lhe passado amiúde a expressão do Eclesiastes (3, 1): Omnia tempus habent!, «Tudo tem o seu tempo». E o tempo da morte requer de si um tempo precioso. Nem de mais nem de menos: o seu tempo! Sem precisar de nos lembrar a cada frase que … está com pressa! O tempo que gastou a dizer-nos isso poderia ter sido aproveitado. E, já agora, em que é que a leitura feita por meu primo (que Vossa Reverência nem sequer conhecia nem sabia quem era em relação à defunta) haveria de… atrasar a cerimónia?
            Mas não fique preocupado! Chegámos a tempo, o coveiro pôde ir almoçar ao meio-dia, depois de ter fechado o portão. E passou tranquilamente o resto da tarde com a família.
 
            Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 622, 01-09-2013, p. 15.

 

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