Uma
delas é a motivação , tantas vezes
falada. Algo que aprendi logo no início da minha carreira como docente, já lá
vão mais de 50 anos, quando nos explicavam que de nada valia dar uma linda lição se os estudantes não estivessem motivados para a
escutar.
Assim
hoje com os trabalhadores. Está evidente aos olhos de todos – os que têm olhos
para ver! Trabalhador que não se sente bem na sua pele não rende, não é feliz e
a economia não cresce!
Bem
conhecida é a espécie de parábola que Gorbachev contou no seu livro Perestroika. Os dois operários faziam o
mesmo serviço: acarretar pedra cá de baixo até ao cimo da obra. Um, de
semblante sempre carregado, respondeu quando lhe perguntaram o que fazia: «Não
vês? Carrego pedra o dia inteiro, escada abaixo escada acima, dói-me o corpo
todo, à noite nem consigo dormir!». «E tu?» – perguntaram ao outro. Sorridente,
respondeu: «Eu? Eu estou a construir uma catedral!».
Aumento
de horas de serviço, corte de salários, abolição
de feriados, encurtamento de férias, contratos precários só fazem doer o corpo,
não aju dam a construir a catedral!
E
fiquei ainda mais triste, outro dia, ao saber que tinham mandado embora a
diligente funcionária da minha repartição .
Enviei-lhe mensagem de agradecimento por tudo quanto fizera por nós. A resposta
ainda mais me atiçou a revolta contra o paradigma em que, para sua desgraça, o
mundo anda embarcado:
«Obrigado
pelo carinho. É assim a vida! Não tem que agradecer. Fiz sempre o meu trabalho
o melhor que podia, muitas vezes cheguei a comprar produtos e sacos para o
lixo, para minimizar um pouco as faltas! Vinte e um anos de serviço e, no
final, fui tratada como lixo, deixada à porta da rua, sem qualquer explicação !!! Mas, deixando a ingratidão de parte, existem
boas amizades que ficaram, e essas, sim, recordarei para sempre com muito
carinho!».
Doeu-me!
Doeu-me muito!
Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 631, 15-01-2014, p. 12.
Cada vez mais se dá valor à Universidade dos certificados e menos à Universidade da vida... Não explicam é que os certificados não valem vida nenhuma! Dói... e cada vez mais!
ResponderEliminarMargarida Sobral Neto:
ResponderEliminarAinda há vozes lúcidas e corajosas... Parabéns José d'Encarnação.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarAntonio Lourenzo:
ResponderEliminar... Situações estúpidas que se estão a passar no nosso país... infelizmente !!!
... Com respeito à motivação... ''setôr'' José d'Encarnação... lembro-me perfeitamente daquela visita de estudo com mais ou menos 11 anos (chamavam Preparatório aos actuais 5º e 6º anos) àquela ''tinturaria romana'' a caminho do Guincho... Ainda hoje gosto muito de tudo o que me aparece relacionado com a civilização romana... Abraço!
José Rodrigues Dias escreveu:
ResponderEliminar"A destruição de uma catedral..."
Parabéns por este belo naco de prosa. Bom seria que chegasse aos olhos de quem decide, mas esses não se dignam baixar até à realidade.
ResponderEliminarBem hajas! Quando o Maomé não vai à montanha, outras alternativas há, segundo dizem! E até a montanha se mexe! :)
EliminarZelia Marques Rodrigues escreveu:
ResponderEliminar"Nestes tempos que atravessamos, todos (ou quase todos!!!) estamos a ser tratados como lixo! E sem direito a "recolha selectiva"!"
Aurora Martins Madaleno escreveu:
ResponderEliminar"Quando se é um funcionário dedicado, dói ser tratado como lixo. Dói mesmo!"
Bom dia, Professor José d'Encarnação. Muito obrigada pela partilha destas experiências de vida e sentimentos, com os quais muitos de nós, lamentavel e tristemente, se identificam. Fui professora do Ens. Sec. durante quase 40 anos, estou aposentada há um ano porque, para além do que já foi dito sobre as novas medidas implementadas que nos amesquinham, não suportava a frieza e a indiferença com que a direcção da minha escola tratam os seus iguais. Vim-me embora por opção, sentindo-me lixo.
ResponderEliminarElsa Santos escreveu:
ResponderEliminar"Realmente como se podem voltar a erguer catedrais quando a motivação, dedicação, lealdade já não valorizadas e na hora de fazer cortes orçamentais e aumento da carga horária... já não se recicla... simplesmente se descarta... como lixo inútil... Lamento esta situação e agradeço que a tenha partilhado connosco. Nunca são de mais as tomadas de consciência de que há muito a fazer e a mudar."
Sarah Corsino escreveu:
ResponderEliminar"A Sra. D. Aurora Martins Madaleno expressou bem o que os Funcionários Públicos sentem actualmente: dói mesmo!!!"
João Orlindo Marques:
ResponderEliminarCaro Professor, tenho fé de que, um dia, as pessoas vão voltar a ser o que mais importa na vida :). Até lá, temos de continuar a "remar", como o Professor Encarnação tão bem faz... Abraço.