quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Da contemplação e da Natureza

            E dei comigo a pensar: será este o mesmo fuinho que por aqui passou o ano passado e no ano anterior? Vem sozinho, sem pais nem cônjuge nem outra companhia. Será o mesmo?
            Saltita de ramo em ramo. Da buganvília para a romãzeira. Da romãzeira para o chão. Depois, para a buganvília de novo. Debica um ramo aqui, limpa o bico acolá. Sacode as asas, numa alegria de viver, e despede-se num voo despreocupado. Tenho-o visto, à hora do almoço, nos dias de sol deste Outono.
            Fico sempre com a intenção de saber mais sobre fuinhos. Quando era moço, cheguei a apanhar alguns que, descuidadamente, se deixavam seduzir pela formiga d’asa que eu punha nas ratoeiras. Uma plumagem verdinha amarelada e macia – que era uma pena tirar!...
Fotografias de felosa-musical disponíveis na Internet,
com identificação dos respectivos autores
            Lembrei-me de José Manuel Durão, que fez o livro Aves da Ribeira dos Mochos (Cascais, Julho de 2010). Passou horas a fio, anos fora, a observar a passarada do Rio dos Mochos. Estudou-lhes os hábitos. Ouvia-lhes o cantar, registou em fotos as imagens. Lá vi o fuinho, não o meu, mas decerto um parente próximo, que não moro assim tão longe do rio. Afinal, chama-se felosa-musical, «phylloscopus trochilus», de seu nome científico, e é de arribação, como eu suspeitara, porque só o vejo aqui pelo Outono, como as felosas brancas e os piscos. Está de passagem para África.

Os parques
            E deste parque urbano da Ribeira dos Mochos parti para o do Marechal Carmona.
            Gostava mesmo que houvesse diariamente a tal «hora feliz» para o estacionamento gratuito. Um serviço público que até poderia reconciliar o munícipe com a generalizada imagem desagradável que ele tem da Cascais Próxima, avarenta proprietária do espaço público.
            E perguntava-me o Tiago, que se desloca em cadeira de rodas, porque não há lugar reservado a deficientes mais perto da entrada deste parque.
            Passei de novo, há dias, pelas Penhas do Marmeleiro – o coração sangrou.

A contemplação
            Tal não aconteceu, porém, no Convento dos Capuchos e seu parque envolvente, em plena Serra de Sintra.
            A contemplação, o silêncio, a comunhão com a Natureza e o seu Criador. A meditar como seria o quotidiano daqueles monges, nas suas oito minúsculas celas individuais, forradas a cortiça, encafuadas pelas penedias.
            Fundado por D. Álvaro de Castro, em 1560, o Convento de Santa Cruz da Serra de Sintra albergou frades capuchos até 1834, ano em que foram extintas as ordens religiosas em Portugal.
            Nele havia de tudo para a comunidade: a igreja; a cozinha; o refeitório, com laje de pedra para mesa oferecida pelo cardeal-rei D. Henrique); a «casa das águas», com instalações sanitárias, cisterna em forma de casa, tina e latrinas; a sala do capítulo, para as reuniões; as enfermarias, dotadas de celas para os doentes, botica e braseiro. A cela do noviço destinava-se ao recém-chegado que, pedida a admissão na comunidade, procurava estudar as regras e verificar se a elas se ajustava a sua vocação. A da penitência, obscura, acolhia quem, por qualquer motivo, necessitasse de maior recolhimento.
            Parques de Sintra – Monte da Lua, S. A., que tem a seu cargo a salvaguarda do monumento e a gestão do espaço, não deixa de sugerir ao visitante um “percurso botânico”, para identificar espécies da flora derredor e para ver a Casa do Frei Honório, que, reza a lenda, um dos frades preferira à sua cela; a horta antiga ou a Capela do Senhor Crucificado, onde se dá largas ao silêncio e à contemplação!...
            Sim, que ali viveu, pois, uma comunidade com as suas regras de oração e de trabalho. Homens como nós, é certo, mas que haviam descoberto outros encantos – no pipilar das aves, no cicio da aragem pelas franças das árvores e mesmo no fragor da trovoada a ecoar pelos fraguedos…
            Convento dos Capuchos, em Sintra: uma visita indispensável a fazer de vez em quando, pois pérolas destas hão de maravilhar-nos.
            Tal como na muda observação do fuinho que, pontualmente, ao final da manhã, vem aqui saltitar na minha romãzeira…
                                                         José d’Encarnação
 
Publicado em Costa do Sol – Jornal Regional dos Concelhos de Oeiras e Cascais, nº 119, 02-12-2015, p. 6.
 
Convento dos Capuchos - Pátio interior
 
Convento dos Capuchos - Capela
 
Convento dos Capuchos - Cozinha
 
Convento dos Capuchos - Refeitório com a laje oferecida pelo Cardeal-rei
 
Convento dos Capuchos - Casa das Águas
 
Convento dos Capuchos - herbolário

 


 

4 comentários:

  1. Luisa Bernardes
    Sempre um prazer ler estas crónicas!!

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  2. Joao Paulo Gomes
    Palavras, para quê ? Até eu, que sou avesso à leitura, não consegui parar de ler! E que venham mais sugestões de leitura ! Um abraço !

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  3. Caro José, a última fotografia refere-se ao Herbolário, e não a latrinas, que estariam exclusivamente na Casa das Águas.

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  4. A música das palavras nascidas do fuinho, o amor a natureza fizeram me voar até essa romãzeiras e como o passarinho saltar de vez em qundo para a buganvília a espreitar o não dito

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