‒ Não queres tomar nada?
Respondi-lhe
que não, agradeci e despedi-me.
A
caminho de casa, dei comigo a pensar com os meus botões:
‒ Correu tudo mal!
E
correra, de facto.
Primeiro,
não lhe devia ter dito que não valia a pena entrar. Poderá ter ficado com a
impressão de que até nem me apetec ia
muito estar com ele ou que a sua casa não teria o aconchego que eu merecia ou
que não tinha tempo a perder. Asneira! Nunca se perde tempo com um amigo! E lá
estava o Michel Quoist a atazanar-me a cabeça (abençoado!):
«Não
digas a quem te visite: “Só posso receber-te por um instante, não te mando
sentar… etc…”, enquanto o recebes um quarto de hora ocupando-te de outra coisa.
Manda-o sentar e atende-o dez minutos, calmamente, dando-lhe a impressão que
lhe dedicas todo o teu dia».
Depois,
aquele «não queres?» veio, sem dúvida, na sequência da minha pressa. Claro, se
ele já estava a dizer que eu não queria, é porque eu não queria mesmo tomar
nada!... Um «não» que nunca se deveria usar. Já se pensou o que seria a
senhora, no alfa, passar e, em vez de perguntar «Querem tomar alguma coisa?»,
proclamar «Não querem tomar nada?»?!... Desastroso seria o efeito e o
despedimento… iminente! E para o empregado do café a frase tem de ser sempre:
«O que é que vai tomar?».
É
incrível como, sem o querermos, ou melhor, sem o pensarmos, o modo como nos
expressamos nos trai. E o nosso interlocutor disso se apercebe de imediato. Têm
as palavras efeitos mágicos, dir-se-ia. E, por isso, é que há pessoas
simpáticas e outras que nem por isso; há as disponíveis e as que parecem estar sempre
vergadas sob o peso do mundo.
Está
provado, diz-se, que a audição é o
último sentido que se perde. Tenho ido visitar um amigo hospitalizado e em
estado quase vegetativo, terminal: não vê, não fala, não reage, não se mexe… Vou
segredando-lhe ao ouvido palavras de ânimo, a lembrar quanto foi agradável
estarmos com ele tantas vezes. Se me ouvir, eu acho que ele vai gostar. E eu
sinto-me bem comigo!
José d’Encarnação
Publicado no quinzenário
Renascimento (Mangualde), nº 674,
01-12-2015, p. 11.
Luisa Bernardes
ResponderEliminarPois, além do mais se a pergunta for feita na forma negativa, implica a expectativa de uma resposta também negativa... Ensinou-me o professor no liceu.
Margarida Lino
A pergunta já implica a resposta
Aproximamos-nos da sabedoria quando já temos muitos anos! Abraço -
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