terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Não queres tomar nada?

            Fui visitar um amigo e fiquei à porta, porque – disse-lhe – não lhe queria roubar tempo. E ali ficámos de pé, os dois, largos minutos… Quando me dispunha a ir-me embora, perguntou-me:
            Não queres tomar nada?
            Respondi-lhe que não, agradeci e despedi-me.
            A caminho de casa, dei comigo a pensar com os meus botões:
            Correu tudo mal!
            E correra, de facto.
            Primeiro, não lhe devia ter dito que não valia a pena entrar. Poderá ter ficado com a impressão de que até nem me apetecia muito estar com ele ou que a sua casa não teria o aconchego que eu merecia ou que não tinha tempo a perder. Asneira! Nunca se perde tempo com um amigo! E lá estava o Michel Quoist a atazanar-me a cabeça (abençoado!):
            «Não digas a quem te visite: “Só posso receber-te por um instante, não te mando sentar… etc…”, enquanto o recebes um quarto de hora ocupando-te de outra coisa. Manda-o sentar e atende-o dez minutos, calmamente, dando-lhe a impressão que lhe dedicas todo o teu dia».
            Depois, aquele «não queres?» veio, sem dúvida, na sequência da minha pressa. Claro, se ele já estava a dizer que eu não queria, é porque eu não queria mesmo tomar nada!... Um «não» que nunca se deveria usar. Já se pensou o que seria a senhora, no alfa, passar e, em vez de perguntar «Querem tomar alguma coisa?», proclamar «Não querem tomar nada?»?!... Desastroso seria o efeito e o despedimento… iminente! E para o empregado do café a frase tem de ser sempre: «O que é que vai tomar?».
            É incrível como, sem o querermos, ou melhor, sem o pensarmos, o modo como nos expressamos nos trai. E o nosso interlocutor disso se apercebe de imediato. Têm as palavras efeitos mágicos, dir-se-ia. E, por isso, é que há pessoas simpáticas e outras que nem por isso; há as disponíveis e as que parecem estar sempre vergadas sob o peso do mundo.
            Está provado, diz-se, que a audição é o último sentido que se perde. Tenho ido visitar um amigo hospitalizado e em estado quase vegetativo, terminal: não vê, não fala, não reage, não se mexe… Vou segredando-lhe ao ouvido palavras de ânimo, a lembrar quanto foi agradável estarmos com ele tantas vezes. Se me ouvir, eu acho que ele vai gostar. E eu sinto-me bem comigo!

                                                                   José d’Encarnação

Publicado no quinzenário Renascimento (Mangualde), nº 674, 01-12-2015, p. 11.

2 comentários:

  1. Luisa Bernardes
    Pois, além do mais se a pergunta for feita na forma negativa, implica a expectativa de uma resposta também negativa... Ensinou-me o professor no liceu.

    Margarida Lino
    A pergunta já implica a resposta

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  2. Aproximamos-nos da sabedoria quando já temos muitos anos! Abraço -

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