quarta-feira, 26 de julho de 2017

A ciência da escrita e o Padre Amador Anjos

            Salientei, na crónica anterior, a riqueza ideológica veiculada pelos artigos e pelas imagens do mais recente número de Egoísta, a revista da Estoril-Sol, dedicado à política, Pro Patria Omnia, «tudo pela Pátria». E, ao sentar-me agora, para alinhavar a crónica desta semana, três factos se me impuseram de tal modo ao espírito que não pude resistir-lhes: a homenagem ao Comandante Frito, a nomeação do Padre Amador como académico honorário da Academia Portuguesa da História e a ciência da escrita. Todos eles, aparentemente tão diversos, estreitamente relacionados com o conteúdo da Egoísta.

A homenagem
            Por proposta do Dr. Rama da Silva, presidente da Direcção da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Cascais, veiculando o sentir da sua corporação, foi dado a uma rua de Cascais o nome do Comandante José Frito (1909-1987), figura ímpar, cuja memória os que o conheceram e, sobretudo, os que tiveram a dita de com ele privar e aprender sempre evocam com saudade. Cidadão íntegro, que à causa humanitária sem reservas se dedicou.
A filha do homenageado, emocionada com a homenagem.
Pedro Morais Soares, presidente da Junta, feliz por ver realizado
um sonho de há anos, junta os seus aos aplausos de todos.
            Como é de lei, coube à Junta de Freguesia promover a solene cerimónia protocolar do descerramento da lápide toponímica. Presentes, nessa manhã de sábado, 22, além de membros da Associação, bombeiros em formatura, amigos da família e do homenageado. Não identifiquei, porém, entre as quatro dezenas de assistentes nenhuma das figuras ligadas às ‘forças políticas’ que genericamente se designam pela palavra «oposição» e que, como é da tradição, nas campanhas eleitorais também se reclamam representar os interesses e as aspirações da população. Poderiam ser ignoradas nos discursos e nem serem saudadas por quem ora está no poder; mas lá diz o Povo: «Quem não aparece esquece»; e «Voz do povo é voz de Deus, minha senhora mãe», sentencia eloquentemente Maria no Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett.

O escritor
            Pois do poder político da literatura também se ocupa a Egoísta.
            Nesse aspecto, duas estranhas páginas me chamaram a atenção, pois reproduzem algo que, hoje, com o sistemático recurso aos computadores, jamais será possível rever. E quanto não aprenderíamos se assim não fora!...
A página, labiríntica rascunhada, do poema de Manuel A. Pina.
Assim se vê como a escrita nem sempre sai à primeira vez!
            Fala-se, amiúde, de escritores que se impõem um horário de trabalho, porque escrever é trabalhar. E essas páginas rascunhadas do poema dedicado por Manuel António Pina († 2012) aos 18 anos de sua filha Sara, que, em jeito de homenagem, Egoísta reproduz nas p. 110 e 111, são disso prova evidente: as hesitações, o escreve e depois risca, o que se entrelinha, o que se opta por omitir ou acrescentar… A incessante busca da perfeição.
            Treino diariamente a escrita. Como os atletas. E, como eles, tive excelentes treinadores. Um deles foi o Padre Amador.

Amador Anjos
            Ainda guardo as folhas com exercícios de análise literária que ele, na sua letra miudinha, me corrigiu e anotou, a vermelho, quando, em 1962-1963, no meu 6º ano dos Liceus, tive a dita de ser seu aluno.
Fotografia de um cantinho de trabalho meu, no âmbito da análise
literária, feito em 1963, com a correcção do Padre Amador.
            Também por isso vivamente me congratulei com o facto de a Academia Portuguesa da História o ter agraciado, no passado dia 20, nomeando-o académico honorário. Singela mas bem significativa e emotiva cerimónia, na Escola Salesiana de Manique, onde ora usufrui do bem merecido «descanso do guerreiro».
O momento em que a Presidente da Academia Portuguesa da História,
Professora Manuela Mendonça, colocava o colar no homenageado,
auxiliado pelo proponente da homenagem, Doutor Armando Martins.
            Deve-se a Amador Anjos – para além de uma infinidade de artigos dispersos pelas revistas salesianas e de um livro sobre S. Paulo e a Condição da Mulher (1990) – um grande interesse pela história da congregação salesiana em Portugal. Compilou documentação, pugnou para que cada casa salesiana mantivesse bem organizados os seus arquivos. Devemos-lhe, entre outros, os livros Centenário da Obra Salesiana em Portugal: 1894-1994 (Ao serviço da juventude e do povo) [Lisboa, 1995] e Oficinas de S. José – Os Salesianos em Lisboa (Lisboa, 1999).
            Privilégio meu evocar e saudar o Mestre e o Sacerdote; mas, à sua maneira, poetas e bombeiros exercem também um magistério sacerdotal ao serviço da Comunidade. Por isso, aqui, agora, quis juntar estes três homenageados.
 
                                                                 José d’Encarnação

Publicado em Costa do Sol Jornal [Cascais], nº 197, 26-07-2017, p. 6.

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