terça-feira, 5 de novembro de 2019

O cozinheiro popular

             Adrega-nos encontrar, por vezes, algo que nos faz pensar. Vocábulos como «popular», «recreativo», «familiar» são tão do nosso quotidiano que, amiúde, nos passa despercebido o seu significado último.
            E o que ora me fez parar foi aperceber-me de que uma publicação de 1913, cuja imagem da capa me remeteram, estava inserida numa série intitulada Biblioteca Popular Recreativa e Familiar.
            Lembrei-me de imediato ter frequentado, em jovem, os bailes duma Sociedade Recreativa e de Instrução Familiar. E vi também que, em Lisboa, com data de 1836, se publicou o nº 1 (volume V) duma Bibliotheca Familiar e Recreativa.
            Era a terminologia habitual, eram os paradigmas que se procuravam inculcar.
          Despertou-me, pois, a atenção «O Cosinheiro Popular dos Pobres e Ricos ou o Moderno Thesouro do Cosinheiro». A Primeira Parte, a dos Pobres, contém «250 fórmulas de cosinhados simples, saudaveis e economicos», numa coordenação de D. Michaella Brites de Sá Carneiro, «chefe de cosinha portugueza na cidade do Porto». E esta é já a «terceira edição augmentada»!
            Atentar-se-á, ainda, no facto de a publicação ter sido feita na Livraria Portugueza, a editora de Joaquim Maria da Costa, situada nos números 55 e 56 da Largo dos Loyos, da cidade invicta.
            Há palavras que nos soam actuais e que nos perguntamos até: «Já então se pensava assim?! E como foi possível que, mais de um século passado, elas tenham entrado de novo no vocabulário corrente como se de novidade se tratasse?».
            Não, não estou a referir-me à oposição pobres/ricos, que hoje se mantém e, caso dela não nos lembrássemos, lá estava a Caixa Geral de Depósitos a recordar-no-la, quando propõe uma tabela benéfica para ricos e outra, dura, para os pobres. Refiro-me aos adjectivos «simples, saudáveis, económicos», uma trilogia bem actual e bem do nosso agrado. E a um outro: «portuguesa». Quando, por todo o País, a preocupação maior, nesse âmbito da culinária, incide na vontade de manter a tradição, de mostrar o que é típico, esse adjectivo «portuguesa» vem a calhar, mesmo que os nossos cozinheiros (nessa altura, era «a chefe»!...) se afeleiem a empratar os acepipes, um naco aqui, outro acolá, bota um raminho de alecrim e outro de hortelã, à mediterrânica (tem que ser!), à… gourmet! (pois então!...).

                                                                            José d’Encarnação

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 764, 2019-11-01, p. 11-12.

1 comentário:

  1. Este texto é uma delícia (vem a propósito) e cumprimento o autor por estes pedaços de prosa tão apetecíveis. Que os olhos também devoram letras e gostam de absorver o que está bem escrito e é educativo. O Cozinheiro Popular dos Pobrfes e Ricos...Um abraço.

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