terça-feira, 12 de novembro de 2019

Um sábado… musical!

               Sábado, 9 de Novembro, teve, em Cascais, inúmeras iniciativas em que a música desempenhou papel preponderante. A música entretenimento e a música envolvida numa perspectiva tendencialmente cultural. A duas me vou referir, pelo seu carácter fora do comum.

Luísa Tódi
            A primeira não foi em Cascais, mas na vetusta solenidade da Sala Ogival do Castelo de S. Jorge, em Lisboa. O Doutor José Maria Pedrosa Cardoso, maestro e musicólogo, professor da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, onde leccionou, entre outras, a cadeira de História da Música, apresentou aí o livro A Minha Irmã Luísa Tódi, da autoria da romancista Helena Ventura. Pedrosa Cardoso reside nos limites do concelho de Oeiras com o de Cascais e Helena Ventura vive em Cascais há trinta e cinco anos. Assim justifico eu a tónica «cascalense» do evento, tornado fácil graças à gentileza da Dra. Maria Antónia Athayde Amaral, actual ‘castelã’ em S. Jorge.
            Não houve música nem ópera, portanto, mas sim a história duma grande mulher, que guindou o nome de Portugal pelas mais conceituadas salas de espectáculos das capitais europeias.
            Pedrosa Cardoso salientou esse prestígio e historiou, a traços largos, a vida da cantora, tendo lamentado no final – como a própria Autora também – o substancial esquecimento a que esta «voz» foi votada. Disse-se, por exemplo, que nem digna sepultura teve e há que devidamente reabilitá-la.
            A Minha Irmã Luísa Tódi – narrativa, como se compreende, posta na boca da irmã da biografada – é mais um dos romances históricos a que, com assinalável maestria, Helena Ventura lançou mão. Através da sua escrita, faz-nos reviver ambientes e personagens. Não é, aliás, inocente o titulo foi escolhido: pretende-se cativante aproximação, quer-se que o leitor se deixe seduzir, entre na acção, Veja-se logo o terceiro parágrafo:
            «Ninguém deixava de notar a singularidade dos dotes vocais de Luísa, mas só o rabequista ficava ofuscado pelo brilho intenso daquela luz, a soletrar o sentimento embrulhado em cada nota. Basta, Saverio, dizia Scolari irritado, com menos um membro no conjunto dos rabequistas. O que se passava com aquele homem adulto, a estudar a prestação das mais nova das promessas do Teatro do Bairro Alto? Ficava fascinado com a metamorfose da donzela de corpo inacabado, como se aquela voz lhe revelasse a sua natureza íntima e ele assistisse, comovido, ao palpitar de umas asas sedentas de amplos voos».
            Ficamos cativados nós também por esse «corpo inacabado»; compreendemos o êxtase do rabequista e, embalados pela serena fluidez da prosa, queremos saber mais e não despegamos da página!
            Cativante música das palavras a enaltecer a diva da ópera, que, desta sorte, mais próxima de nós acabamos por sentir!
            Entre a assistência esteve o médico Mário Moreau, de 93 anos, um dos biógrafos mais completos de Luísa Tódi (deve-se-lhe a obra, em três volumes, Cantores de Ópera Portugueses), que, apesar da sua avançada idade, não quis deixar de estar presente, para saudar a autora.
A assistência antes do começo da sessão
Pedrosa Cardoso, a autora e o editor
O Dr. Mário Moreau a embrenhar-se na leitura
Fado íntimo ainda mais!
            O outro espectáculo teve cenário bem diferente, mas também ele pejado de história e tradição: a igreja matriz de Cascais, alumiada a rigor, de modo que refulgisse mais do que nunca a talha dourada dos seus altares.
O templo não se transformou em casa de fado nem retiro. Foi refúgio. Aquele lugar para onde se vai numa vontade de isolamento, de saborear melhor cada instante.
Andou bem o grupo de fados "AcordaR", uma das secções do grupo cascalense "Cantares da Terra", ao ter solicitado ao prior Padre Nuno autorização para ali cantar fado durante uma hora – das 21.30 em ponto às 22.30! Um cantar profano a profanar o sagrado? Não. Ninguém o sentiu assim, porque tudo se passou em clima quase de devoção.
Poderá discutir-se o conceito de «Fado Polifónico», quando, na realidade, o que aconteceu foi Marta Garrido ter usado o seu saber para dar vozes e não uma voz apenas a fados tradicionais.
Foi concerto agradável de seguir e sentia-se bem a alegria dos intérpretes por usufruírem da esplêndida acústica do templo.
            As vozes foram de Beatriz Santos, Margarida Margato, Madalena Santos (que também ia fazendo as apresentações) e de Mafalda Duarte. Nos instrumentos, João Chuva esteve no cajon (a sublinhar mui discretamente o ritmo), Pedro Pechirra e Marta Garrido nos acordeões, sendo Marta Garrido voz também e a autora dos inovadores arranjos musicais; Hugo Ferreira, no violino.
            Um serão bem agradável, devotamente aconchegado. 

                                                               José d’Encarnação
 
As cantadeiras
Os músicos
A assistência na igreja matriz de Cascais


3 comentários:

  1. Foi bom ter lá 'estado' ser estar, através das tuas crónicas. Um abraço.

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  2. Bem hajas pelo belo texto relativo à apresentação do meu livro, Zé, muito bem feita pelo José Maria Cardoso. E do fundo do coração te agradeço, também, e à Ana, por terem estado presentes. Quanto ao fado na igreja matriz de Cascais, "transformada em refúgio", como dizes, deve ter sido um momento único, avaliando pela forma como tão bem descreves o que se passa em Cascais. Um beijo muito grande.

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  3. Obrigado Sr. Professor pelas suas palavras muito sábias, verdadeiras e sentidas. Foi um dos locais mais lindos que tive o prazer e a oportunidade de cantar. Foi uma emoção muito grande, tal como disse no início da apresentação do nosso espectáculo! Obrigado pela sua presença! Um beijinho muito grande.

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