Luísa Tódi
A primeira não foi
em Cascais, mas na vetusta solenidade da Sala Ogival do Castelo de S. Jorge, em
Lisboa. O Doutor José Maria Pedrosa Cardoso, maestro e musicólogo, professor da
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, onde leccionou, entre outras, a
cadeira de História da Música, apresentou aí o livro A Minha Irmã Luísa Tódi, da autoria da romancista Helena Ventura. Pedrosa
Cardoso reside nos limites do concelho de Oeiras com o de Cascais e Helena Ventura
vive em Cascais há trinta e cinco anos. Assim justifico eu a tónica
«cascalense» do evento, tornado fácil graças à gentileza da Dra. Maria Antónia Athayde
Amaral, actual ‘castelã’ em S. Jorge.
Não
houve música nem ópera, portanto, mas sim a história duma grande mulher, que guindou
o nome de Portugal pelas mais conceituadas salas de espectáculos das capitais
europeias.
Pedrosa
Cardoso salientou esse prestígio e historiou, a traços largos, a vida da cantora,
tendo lamentado no final – como a própria Autora também – o substancial
esquecimento a que esta «voz» foi votada. Disse-se, por exemplo, que nem digna sepultura
teve e há que devidamente reabilitá-la.
A Minha Irmã Luísa Tódi – narrativa,
como se compreende, posta na boca da irmã da biografada – é mais um dos romances
históricos a que, com assinalável maestria, Helena Ventura lançou mão. Através
da sua escrita, faz-nos reviver ambientes e personagens. Não é, aliás, inocente
o titulo foi escolhido: pretende-se cativante aproximação,
quer-se que o leitor se deixe seduzir, entre na acção,
Veja-se logo o terceiro parágrafo:
«Ninguém
deixava de notar a singularidade dos dotes vocais de Luísa, mas só o rabequista
ficava ofuscado pelo brilho intenso daquela luz, a soletrar o sentimento embrulhado
em cada nota. Basta, Saverio, dizia Scolari
irritado, com menos um membro no conjunto dos rabequistas. O que se passava com
aquele homem adulto, a estudar a prestação
das mais nova das promessas do Teatro do Bairro Alto? Ficava fascinado com a
metamorfose da donzela de corpo inacabado, como se aquela voz lhe revelasse a
sua natureza íntima e ele assistisse, comovido, ao palpitar de umas asas
sedentas de amplos voos».
Ficamos
cativados nós também por esse «corpo inacabado»; compreendemos o êxtase do
rabequista e, embalados pela serena fluidez da prosa, queremos saber mais e não
despegamos da página!
Cativante
música das palavras a enaltecer a diva da ópera, que, desta sorte, mais próxima
de nós acabamos por sentir!
Entre
a assistência esteve o médico Mário Moreau, de 93 anos, um dos biógrafos mais
completos de Luísa Tódi (deve-se-lhe a obra, em três volumes, Cantores de Ópera Portugueses), que,
apesar da sua avançada idade, não quis deixar de estar presente, para saudar a
autora.
A assistência antes do começo da sessão |
Pedrosa Cardoso, a autora e o editor |
O Dr. Mário Moreau a embrenhar-se na leitura |
Fado íntimo ainda mais!
O outro espectáculo
teve cenário bem diferente, mas também ele pejado de história e tradição: a igreja matriz de Cascais, alumiada a rigor,
de modo que refulgisse mais do que nunca a talha dourada dos seus altares.
O templo não
se transformou em casa de fado nem retiro. Foi refúgio. Aquele lugar para onde
se vai numa vontade de isolamento, de saborear melhor cada instante.
Andou bem o
grupo de fados "AcordaR", uma das secções do grupo cascalense
"Cantares da Terra", ao ter solicitado ao prior Padre Nuno autorização para ali cantar fado durante uma hora – das
21.30 em ponto às 22.30! Um cantar profano a profanar o sagrado? Não. Ninguém o
sentiu assim, porque tudo se passou em clima quase de devoção.
Poderá
discutir-se o conceito de «Fado Polifónico», quando, na realidade, o que aconteceu
foi Marta Garrido ter usado o seu saber para dar vozes e não uma voz apenas a
fados tradicionais.
Foi concerto agradável
de seguir e sentia-se bem a alegria dos intérpretes por usufruírem da esplêndida
acústica do templo.
As
vozes foram de Beatriz Santos, Margarida Margato, Madalena Santos (que também
ia fazendo as apresentações) e de Mafalda Duarte. Nos instrumentos, João Chuva esteve
no cajon (a sublinhar mui discretamente
o ritmo), Pedro Pechirra e Marta Garrido nos acordeões, sendo Marta
Garrido voz também e a autora dos inovadores arranjos musicais; Hugo Ferreira,
no violino.
Um
serão bem agradável, devotamente aconchegado.
José d’Encarnação
As cantadeiras |
Os músicos |
A assistência na igreja matriz de Cascais |
Foi bom ter lá 'estado' ser estar, através das tuas crónicas. Um abraço.
ResponderEliminarBem hajas pelo belo texto relativo à apresentação do meu livro, Zé, muito bem feita pelo José Maria Cardoso. E do fundo do coração te agradeço, também, e à Ana, por terem estado presentes. Quanto ao fado na igreja matriz de Cascais, "transformada em refúgio", como dizes, deve ter sido um momento único, avaliando pela forma como tão bem descreves o que se passa em Cascais. Um beijo muito grande.
ResponderEliminarObrigado Sr. Professor pelas suas palavras muito sábias, verdadeiras e sentidas. Foi um dos locais mais lindos que tive o prazer e a oportunidade de cantar. Foi uma emoção muito grande, tal como disse no início da apresentação do nosso espectáculo! Obrigado pela sua presença! Um beijinho muito grande.
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