Estreou na sexta-feira, 10, no Teatro Mirita
Casimiro, a 165ª produção do Teatro
Experimental de Cascais: a peça «Bruscamente no Verão Passado», do americano
Tenessee Williams (1911-1983).
Versão e dramaturgia da Dra. Graça
P. Corrêa, investigadora em Ciência e Arte na Faculdade de Ciências da Universidade
de Lisboa e docente no Mestrado em Encenação
e Artes Performativas da Escola Superior de Teatro e Cinema, que, além da
carreira académica, tem sido encenadora, cenógrafa e dramaturga. A encenação é de Carlos Avilez; a cenografia e figurinos, de
Fernando Alvarez.
De interesse para a compreensão da
peça são os textos de apoio facultados, organizados por Graça P. Corrêa, onde
podem consultar-se: a ficha técnica do espectáculo; o texto da organizadora, «Violência
e sublimidade», com desenhos de Fernando Alvarez; mui circunstanciada biografia
do autor, que tem como cólofon a frase «As violetas nas montanhas quebraram as
pedras!», inscrita no túmulo do autor, retirada da peça “Camino Real”.
Há, de seguida, um rol de frases de
T. Williams. Se fora um historiador a transcrevê-las, poria o livro e a página
donde foram retiradas. A internet está cheia de frases atribuídas a este ou
àquele, mas desgarradas por completo do seu contexto. Por outro lado, uma selecção de frases é sempre a selecção
de alguém que pensa de determinada maneira
e, que, por isso, também nelas acaba por se rever. Uma das frases citadas
particularmente me tocou: «Amigos são a maneira
de Deus nos pedir desculpas pelas nossas famílias».
Na p. 10, aborda-se a relação do dramaturgo com o poeta, a utilização da poesia no teatro. Sebastien, o jovem
assassinado «bruscamente no Verão Passado», era poeta; escrevia um poema por
ano. Boa parte do texto da peça, nomeadamente a fala inicial da mãe a evocá-lo
– excelente interpretação de Manuela
Couto! -, está eivada, de facto, de mui saboroso halo poético.
Segue-se a entrevista dada a Dotson
Rader (Paris Review 5, nº 81, 1981), em que Tenessee Williams
fala da sua vida, da ala psiquiátrica em que, a dado momento, foi internado, da
sua negação duma outra vida após a
morte, ainda que admirasse «a imagem de Cristo, a Sua beleza e pureza, os Seus
ensinamentos, sim…». Ilustra-a a fotografia de Tenessee, a fumar, pensativo,
cabelos soltos, diante da folha branca da máquina de escrever…
Valerá a pena ler o ensaio de Graça
P. Corrêa «Ecos autobiográficos e míticos em ‘Bruscamente no Verão Passado’» (6
páginas, ilustradas). Mostra a investigadora o paralelo entre Sebastian
Venable, a personagem fisicamente ausente mas permanente em cena nas constantes
alusões que lhe são feitas; são as circunstâncias da sua morte que, ao longo da
peça, se tentam descortinar, até que, no final, perante a confissão de
Catherine, o psiquiatra declara: «Acho que devemos, pelo menos, considerar a
possibilidade de que a história da jovem possa ser verdadeira». Bem sugestiva a
relação com a lobotomia, excisão de
lóbulos cerebrais para tratamento, por exemplo, da esquizofrenia, prática a que
está ligado o nosso Prémio Nobel Egas Moniz. E, também, o paralelismo entre a
morte de Sebastien e o martírio de S. Sebastião e entre Catherine Holly (‘incarnação’ da sua irmã, Rose) e Santa Catarina de
Alexandria.
Transcreve-se – antes da apresentação de pormenorizados currículos dos principais intervenientes
no espectáculo – uma ‘introdução’ ao
texto, da autoria do dramaturgo norte-americano Martin Sherman, datada de 1987,
não se indicando, porém, donde foi retirada.
Então, e a peça?
Sim, tem toda a razão a pergunta,
porque me perdi nos Textos de Apoio... Violet, a mãe, é superiormente interpretada
pela experiente Manuela Couto; Catherine Holly é Bárbara Branco (excelente!);
Bernardo Souto, um perspicaz e silencioso Dr. Cucrowicz; Teresa Corte-Real, a
Sra. Holly; João Gaspar, George Holly, sempre de raquete de ténis a mostrar-se
desportista; Luísa Salgueiro incarna a soturna Irmã Felicidade; e Lídia Muñoz
(Miss Foxhill) movimenta-se para que nada falte a ninguém.
Os actores agradecem no final |
A minimalista nudez do cenário; o
guarda-roupa creme, o ambiente creme – em que, amiúde, como é timbre de Carlos
Avilez, o silêncio fala mais alto – e a mui regrada movimentação dos actores eficazmente contribuem para que se obnubile
o drama que, durante 1 h e 45 m
sem intervalo, mesmo a nossos pés se desenrola.
Escreve Graça P. Corrêa que todas as
personagens da peça «surgem atormentadas por um ‘horror interno’ contra o qual
lutam». Não é, de facto, uma comédia, mas sim o retrato cru de vivências
complexas; contudo, a excelência da encenação
e das interpretações – mormente as das duas protagonistas, a merecerem amplos
encómios – faz-nos esquecer tudo o mais.
O espectáculo está em cena de quarta
a domingo, até 2 de Agosto, a partir das 21.30 h.
José d’Encarnação
Publicado em Duas
Linhas – https://duaslinhas.pt/?p=2103 – a 14-07.2020.
Gostei do filme - vou gostar da peça certamente - foi um bom alerta para fazermos a marcação de bilhetes no primeiro dia em que a aceitem - obrigado pelo texto e pela lembrança - abraço -
ResponderEliminarIrei assistir mais tarde a esta peça já nossa conhecida, onde drama e poesia convivem, levada pela minúcia deste texto e pelo rigor da encenação habitual em Carlos Avilez. No palco do Mirita Casimiro a nudez dos cenários e a auscultação do silêncio, costumam deixar um protagonismo mais fundo às palavras, traduzindo elas a inquietação interior das personagens. Muito grata pela partilha deste texto e de outros que nos vão dando conta do que a nível cultural se faz no concelho.
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