Com projecto de design gráfico e
desenhos de Jorge dos Reis e o apoio da Câmara Municipal de Castelo Branco,
editaram as A23 Edições, de Ricardo Neves Prod., o livro Sentimento Viageiro,
poemas de António Salvado. Direcção de Ricardo Paulouro Neves, paginação de
Olga Fernandes. Execução gráfica de Grafisete – Fundão.
Assina o prefácio Manuel da Silva
Ramos: «A viagem favorável de António Salvado». Aí se assinala estarmos em presença
de um «poeta clássico», cujos temas preferidos continuam a ser «o amor, a natureza
e o célere tempo fugidio que agasta», ainda que, desta feita, haja uma tónica
especial: «a insónia pessoal do poeta que se agarra a ele como uma lapa e o
ataca durante horas e horas a fio». Silva Ramos não é, porém, insensível ao
facto – que justamente salienta – de o Poeta estar, de facto, atormentado pela
«ânsia de escrever», ânsia que nem ele «sabe de onde vem». Salvado, o poeta
compulsivo de que já aqui se falou.
Não
posso deixar de salientar também o apreço que Manuel da Silva Ramos demonstra
pelo facto de este livro ter «a “pata” inconfundível de Jorge dos Reis, um dos melhores
designers gráficos do país», que «buscou inspiração na arte negra mais que no futurismo
russo que lhe é familiar», e um surpreendente inventor de alfabetos novos», comparável,
neste caso, em seu entender, a «um pente quotidiano que se leva em viagem».
A
expressão ‘alfabetos novos’ alude à capa do volume, onde o nome de António
Salvado surge em anagrama, criptografado a negro, assim a modos de pináculos de
catedral ou a lembrar também aquelas estatuetas âmbar das tribos indígenas
africanas. Um mundo!
No
posfácio, Jorge dos Reis explicita melhor o que desejou transmitir, falando,
por exemplo, «das criaturas aladas e daquelas que desejam voar», contrapondo-as
ao grafismo do título da obra, que lhe recorda as caixas dos caracteres de
chumbo das mui antigas tipografias.
O
leitor normal, ao ver que os versos dos poemas estão inscritos em linhas de
pauta, poderá pensar que se quiseram evocar os vetustos cadernos pautados da
nossa escola primária. Errado! São «levadas» que, à maneira da frescura dos
cômoros madeirenses, «apoiam os nossos olhos para a leitura, em movimentos de
sacada ocular, como uma estrada que nos leva ao Jardim do Éden do Poeta»,
explica Jorge dos Reis (p. 67). Um lírico, este Jorge dos Reis!...
Que
António Salvado me perdoe, se, perante este aparato da obra, me ocorreram duas imagens.
A primeira foi a de uma série de fotografias a mostrar mui extravagantes
prédios espalhados pelo nosso mundo, em que se deu total primazia à excentricidade
estética e se postergou a eficácia. A segunda, a dos pratos da cozinha ‘gulosa’
(eu prefiro este saboroso termo português ao internacional ‘gourmet’…) em que
se privilegia a ideia de que… “os olhos também comem!”.
Por
conseguinte, Amigo Poeta, por entre levadas, encontrei desta vez personagens
que particularmente me chamaram a atenção. De um já partilháramos a lira, João
Roiz de Castelo Branco; os outros, salvo o erro, aparecem-nos aqui pela vez primeira:
os míticos goliardos, a que, aliás, também Manuel Silva Ramos se refere,
adiantando que foi estratagema seu para «visita à sua juventude»; e também eu
gostei da frase «para eles amanhã era sempre um feliz dia»!
Da
evocação do João Roiz (p. 55-56), apreciei deveras as quadras (perdoo-lhe
o ‘porém no entanto’) assim geridas, em
rima consoante aqui e apenas toante acolá, mas no sabor da balada que se
plange: «Doentes com a partida, / mendigos de pouca sorte, / por não vos verem
com vida / ficam à espera da morte».
Noite,
solidão, sonho, pensamento… E a enorme importância que este tem:
«Nem
sequer um pensamento / infiel poderei ser-te: / o meu coração batendo /
chama-te a cada momento / na ânsia de sempre ver-te» (p. 43).
Assim
como a realidade psicológica do tempo:
«Passatempo
que melhore / o esperar que o tempo flua – / cada hora um só minuto, cada
minuto uma hora.» (p. 60).
De
antologia!
José d’Encarnação
Publicado em Gazeta do Interior [Castelo Branco], nº 1705, 01-09-2021, p. 10.
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