Todas
as frases mudam de sentido conforme a entoação que se lhes dá. Esta é uma
delas.
Pode
ser resposta ao pedido de um pai ao filho «Faz-me isto, por favor!» e o filho,
com maus modos: «Não faço nada!»
Pode
ser a resposta que ontem o meu colega Alberto, septuagenário, me deu quando lhe
perguntei em que é que ora se ocupava. Verifiquei logo de seguida que era
mentira. O Alberto continuava a ler muito e até preparava a monografia de uma
igreja, porque o prior nela estava a fazer umas obras urgentes e a venda da monografia
poderia vir a dar uma ajuda nas despesas.
Além
do mais, somente o pensar que não se faz nada é mau para a própria pessoa.
Quantas
vezes não ouvíamos dizer (felizmente, já é raro):
–
Eu? Eu não faço nada! Olhe, sou doméstica!...».
‘Ser
doméstica’ era, porém, sinónimo de que se tinha a cargo toda a lide da casa. E
só quem nunca ficou encarregado, uma só semana que fosse, de organizar, por
exemplo, as ementas da semana é que poderá pensar que tratar da lida familiar é
tarefa de levar com uma perna às costas. Não é.
–
Quando me aposentar, não quero ir para o tribunal. Dedico-me à minha horta…
Interrompi-o:
–
Tribunal?
–
Sim. Em Palmela, no largo, os velhos reúnem-se. Há a 1ª vara e a 2ª vara!
Passam ali o tempo nos julgamentos deste e daquele…
A
agência noticiosa «Mundo ao Minuto» informou, a 28 de Dezembro de 2020, que o
colombiano Lucio Cuiqito, de 104 anos, chegara à conclusão de qual o caudal
perfeito de um rio para se produzir energia eléctrica. Terminou, durante a
quarentena, a tese iniciada há 30 anos (formara-se, em 1947, como engenheiro civil,
na Universidade de Manchester). Quando lhe perguntaram o segredo para se manter
jovem, deu três receitas: «Tomar banho com água fria, comer muita fruta e
aproveitar todas as horas mortas para ler ou estudar qualquer coisa».
José d’Encarnação
Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 806, 15 de Setembro de 2021, p. 12.
ora bem. gostei, sim senhor.
ResponderEliminarÀ excepção do banho de água fria, gosto das sugestões de Lucio Cuiquito.
ResponderEliminarNo princípio da leitura deste belo texto, já estava a pensar nas "domésticas" das nossas memórias, que não tinham horário de trabalho, zelavam pelo bem-estar (principalmente roupa e comida) da família inteira, cuidavam do quintal e dos animais...Dormiam bem, sem necessidade de soníferos, a menos que as dores da labuta atacassem...Conheço muita gente de idade que nunca fez "nada", que ainda hoje faz mais do que a maioria da gente jovem. Quero saudar uma dessas pessoas. Com mais de 90 anos conduz, sobe as escadas do prédio até ao segundo andar, faz teatro, usa as redes sociais e ainda exercita os neurónios (palavras dela) a fazer palavras cruzadas. Ah...não tem tempo para julgamentos. E todos os anos se lembra do meu aniversário e das festas natalícias.
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