Estranho é, sem
dúvida, o título de um dos mais recentes livros de poemas do albicastrense
António Salvado: O Esperado Momento seguido de Como se a Terra…
Vai-se ver e são
os nomes dados a duas poesias, uma em cada
uma das três partes em que essa obra se divide e que delas retiram a
identificação. A terceira ostenta o enigmático nome de Fata, que, em
latim, significa «os Fados, o Destino» e já vamos ver a mensagem que o Poeta
nos quis transmitir.
«O
esperado momento» é mesmo o último poema da primeira parte (p. 48) e relata, em
três mui suaves quadras, como «pela tarde caída», sem outros sons para além do
«rumorar dos pássaros prestes a adormecerem» (e a gente sabe como é, eles se
aconchegando uns aos outros nos ramos da árvore escolhida…), há o voltejar (que
bonito!...) de um «corpo tão esguio» que, no «esperado momento», ao Poeta se
cinge feliz… Mal acomparado, bem no sei, mas o meu pensamento voou para aquela
cena do Principezinho, vamos marcar uma hora e eu, antes de ela soar, já estou
a saborear o encontro. Lemos, saboreamos e… apetece-nos fechar os olhos e
imaginar, nós também, esse momento esperado…
Quanto
a «Como se a terra…» (p. 53), a delícia é igual: «Como se a terra se abrisse /
para uma flor surgir», […] «pois assim és tu
és tu / quando de longe me surges». É abrir de braços, é ternura
enlevante, é partilha de vital respiração, é… ternura! Faz-nos bem…
«Os
fados» (Fata), essa terceira parte prognosticava negruras. Será que o
idílio fracassou e o Poeta caiu em abissal desânimo? Não. Não aconteceu. Fado
é, aqui, vaticínio bom; «A água brota da fonte / do teu ameno sorriso / e
correndo purifica / universos perto e
longe».
Certo
é que o derradeiro poema (p. 82) é susceptível de lançar alguma dúvida sobre
esse idílio cantado. Aí se fala de «noite mal dormida», de sonhos que «nenhuma
calma me entregam». Ilusão será, porque a tudo sobressai, afinal, «o brilho
duns olhos cativantes» que «mesmo em sonho
a cada instante» acabam por estar presentes.
Rosário,
pois, no sentido próprio de mui viçoso e bem olorante vergel de rosas é este
livro de António Salvado. Decerto me não engano se é um dos que maior enleio deixa
transparecer, donde os enamorados podem beber, a longos haustos, poemas para as
suas amadas…
Poemas
a saborear.
Edição
e propriedade do Instituto Politécnico de Castelo Branco, com capa e ilustrações
do reconhecido pintor de Chão das Servas (Vila Velha de Ródão), Manuel
Cargaleiro, a cuja Fundação pertencem os direitos de autor. O livro tem data de
2021. Mui cuidada paginação, com primoroso pictórico toque floral no final de
cada página.
José
d’Encarnação
Publicado em Gazeta do Interior [Castelo Branco], nº 1704, 25-08-2021, p. 10.
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