Acalenta-me,
de facto, esta luz alaranjada. Qual flâmula daquelas que, de pedra, se vêem nas
esquinas dos telhados e nos jazigos dos cemitérios. «Candeeiro de sal dos
Himalaias». Reza a publicidade, porque eu nunca tinha ouvido falar: «A cor alaranjada que emite ajuda a
criar uma atmosfera equilibrada de tranquilidade, ideal para relaxar, meditar
ou se concentrar». Pode ser sugestão, mas até estou propenso a acreditar que
neutraliza mesmo esses tais iões positivos, prejudiciais ao organismo.
Ao invés, sobre os malefícios do sal tenho a cabeça cheia, como a de toda a gente: faz mal, não se pode abusar dele, um veneno!...
Do curso de História guardo duas recordações.
A primeira, relacionada com a importância do sal do estuário do Sado, bem posta em evidência pela professora Virgínia Rau – veja-se, a título de exemplo, o livro Estudos sobre a História do Sal Português (Editorial Presença, 1984).
A segunda causou-me
espécie, porque sempre pensei em sal marinho e as salinas de Rio Maior ainda
não haviam entrado no meu imaginário, embora soubesse vagamente da existência
de sal-gema. Prende-se essa segunda recordação com o professor de Expansão nos contou acerca do negócio de tribos da metade norte de África, que os Portugueses teriam descoberto: uma tribo trazia uma porção de sal,
depositava-a no sítio combinado e retirava-se; vinham os da outra tribo,
deixavam o dinheiro e iam-se embora; nunca se encontravam. Se a primeira
ficasse com o dinheiro, considerava-se o negócio feito; se não, os segundos
aumentava a parada. Era assim, dizia-nos o professor, porque o sal era deveras
valioso e o segredo da sua origem precisava de se manter. Aliás, acrescentava,
não esqueçam que a palavra ‘salário’ vem de sal, o equivalente a uma porção de
sal.
Quanto aos
Himalaias, lembram-me sempre o João Garcia, que escalou o Evereste. Quando, um
dia, me encaminhava com ele para os estúdios da rádio onde o ia entrevistar,
estacou de repente, olhou para a alta antena e perguntou: «Como é que vocês
vão lá acima?». Nunca tal me preocupara. E compreendi, mais uma vez, como as
ocupações que temos formatam, de certo modo, os nossos pensamentos. Ele, homem das alturas, pensou logo como é que se iria lá ao topo! E percebi que a
presença desses pensamentos – positivos ou negativos – formatam, queiramos ou não, o nosso
dia-a-dia…
José d’Encarnação
Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 805, 1 de Setembro de 2021, p. 12.
Por este belo texto fui levada a pensar no sal da vida, diferente para cada um de nós, mas sempre sal, tempero, elemento de maior valor. O que motiva um alpinista, um escalador, estará sempre no topo. O que encanta um arqueólogo costuma estar no subsolo, mas esse é o seu topo. O procedimento entre as tribos africanas para o negócio do sal é bem curiosa. E a imagem de candeeiros de sal dos Himalaias que acompanha as palavras, belíssima. Em todos estes textos aprendo sempre, mas o melhor é deliciar-me com a leitura. Um abraço.
ResponderEliminar