O
espaço foi muito bem preparado para receber, num tom intimista (diríamos!) este
inolvidável conjunto de trabalhos de toda uma vida dedicada à Arte, nos seus
mais variados temas e suportes. Sim, os azulejos, sem dúvida! Aqueles a que,
sem querer, nos roçamos em estações do metro de Lisboa e nem sequer suspeitamos
de que são de uma grande Artista, algarvia de Silves, que o ano passado nos
deixou, quando estava prestes a completar 98 anos! Mas os seus trabalhos de
ilustração de obras, mormente para crianças…
de encantar! E as tapeçarias?
Exímia
no desenho, acutilante na crítica quando tinha de o ser (que a pintura é uma
arma também!...), plena de uma serenidade que encanta! Passaríamos ali umas
horas!...
Chama-se
de propósito… a obra artística de
Maria Keil. E a razão do título resulta – como ali se explica – da oportuna
apropriação de uma expressão utilizada pela artista, por ocasião do seu 80.º
aniversário: “Faço 80 anos, sim e é de propósito” – embora, antes, tenha dito
que… não era de propósito!... E, na verdade, essa frase pode consubstanciar todo
o seu percurso de vida e toda uma forma de encarar a existência, em trabalho
incessante e profícuo até que… as mãos deixaram de lhe obedecer! A tela final
é, por isso, deveras sugestiva: «Tenho trabalhado pouco, não é? Peço desculpa…
não soube fazer mais».
Acrescenta-se
na apresentação:
«A
ironia subjacente em grande parte dos seus trabalhos, a desconstrução , a diversidade de abordagens e de suportes e a
fuga a cat egorizações espelham bem a
personalidade de Maria Keil e a reivindicação
da sua liberdade criativa».
Horário: de quarta a sexta-feira, das 14 às 20 h.; sábado e domingo, das 11 às
20.
O teatro e
os teatros
No Mirita Casimiro, expõe
Fernanda Carvalho, até ao próximo dia 3, «Percursos Teatrais», série de
fotografias, a preto e branco, que têm por tema o teatro. Não o
teatro-espectáculo mas teatros-edifícios, mormente o seu interior. O
teatro de Évora (é capaz de não se saber que Évora tem teatro antigo…), o de
Milão, alguns de Lisboa…
Um olhar quase indiscreto,
a realçar ângulos inesperados, de luz invulgar. Deixam-nos pensativos: tudo
isto está por detrás de um espectáculo teatral! Por aqui se agarram mãos, na prossecução
de um objectivo: para que o espectáculo resulte e a mensagem passe!
Escreve
o encenador José Peixoto, no catálogo:
«Ignoramos
até que o Teatro vive não só na cena mas em todo o espaço teatral que determina
a leitura e a recepção do espectáculo».
E
é esse «olhar sensível e revelador da beleza dos teatros» que Fernanda Carvalho
pretende – e consegue! – mostrar. E não ficamos indiferentes.
O Tempo e a Ira, de John Osborne
E,
no teatro municipal de Cascais, como se anunciou, «o texto mais controverso do
séc. XX inglês»: O Tempo e a Ira, de
John Osborne (1929-1994),
com André Nunes, Dalila Carmo, Joana Seixas e Renato Godinho.
Acrescenta-se
que a peça «transformou o teatro no país de Shakespeare e não deixa ninguém
indiferente». Isso não deixa, porque, no final, acabamos por verificar que, de
uma forma ou doutra, ali estamos retratados nalgum dos momentos da nossa vida.
Uma
chatice as tardes de domingo sem programa definido e uma tábua de engomar
sempre ali à espera e até nos assusta pensar que há toda uma catrefada de roupa
para passar. Vai e vem o ferro («movimentos minimais repetitivos, tão modernos
de tão vazios e desconcertantes», anota Martim Pedroso); respira ofegante; uma
peça e outra. E… já acabaste de ler o jornal? Estes jornais que dizem todos a
mesma coisa. Inferno de vida. O horizonte parece que acaba ali, num torvelinho
de ideias desencontradas, de traumas, de... Há o amor que já se tornou
monotonia; há a criança gerada, não partilhada e, por isso, ocultada e…
abortada. Há o amor-ódio, violência que se amansa.
Os
actores olham-nos nos olhos, amiúde. Querem fazer-nos participantes do que
sentem, do que pensam. Sim, porque eles pensam – o que já não é nada comum nos
nossos dias! E importava que fosse, neste tempo que sub-repticiamente se nos vai
escoando por entre os dedos, em cima de bem arreliante tábua de engomar. Consciencialização
é, sem dúvida, a palavra de ordem!
Todos
os actores servem às mil maravilhas esta versão de Renato Godinho (de certo
modo, o protagonista, Guido, magnífica criação sua), um dos ‘filhos’ do Teatro Experimental
de Cascais. Dalila Carmo (Helena), que nos habituámos a ver nas telenovelas e foi galardoada, este ano de 2013, com o Globo de Ouro de Melhor Actriz,
entra de permeio, a baralhar todo o esquema convencional e dá a bofetada (real
e simbólica) num ramerrão fastidioso. Joana Seixas (a doce Alice) impõe-se-nos
na cena final, olhos fitos nos espectadores, de negro vestida, sentindo cair
sobre ela vitupérios a juntar aos horrores por que passou, imóvel, densa,
escultura!... André Nunes solta-se, por exemplo, naquela excelente
negaça-espectáculo de cantor que, se calhar, um dia até gostávamos de ter sido,
para saborear um palco menos frio que este, condimentado apenas a sucessivas
xícaras de chá…
Foi
Martim Pedroso que encenou. E é dele o texto principal do singelo programa. Aí
escreve, a dado passo, a propósito das atitudes de Guido: refugia-se o
protagonista «na culpabilização de tudo e de todos e nem mesmo ele consegue
lavar a sua alma a não ser quando recua ao tempo das fábulas com ursos e
esquilos».
Brincar
aos ursos e aos esquilos, encher de fantasia o nosso quotidiano será, porventura,
uma forma de ultrapassarmos a dureza esquelética e disforme de uma realidade
feia, sem graça nenhuma, porque despojada da imaginação e do sonho!
A
peça vai estar em cena no Mirita Casimiro até 3 de Novembro, de 5ª a sábado às
21h30 e domingo às 17h!
A
não perder!
Publicado em Cyberjornal, 20-10-2013:
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