quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Olha, este está goro!

            Pusera-se em água (é o estratagema!) e o ovo, em vez de se manter no fundo, viera ao de cima, sinal de que não estava em condições de ser consumido: estava «goro»!
            Dei comigo a dizer a frase e senti-me rural; ou seja, há ‘séculos’ que não a ouvia e isso me fez voltar ao tempo em que meus pais tinham capoeira e eu ia todos os dias espreitar a cesta, ‘a ver se havia ovo’; e, por outro lado, lembrou-me a deliciosa cena de sentir os pintainhos a começarem a piar ainda dentro da casca, a tentarem parti-la com o frágil biquinho, a mãe galinha a ajudar e nós próprios, com muito jeitinho, a facilitar-lhes a vinda a este mundo.
            E atentei no «goro». É adjectivo derivado de «gorar», falhar; mas o mais curioso é que não há meio de se descobrir donde é que a palavra veio! Uns dizem que o verbo gorare terá existido no latim da Península Ibérica, formado a partir de um radical celta «gor», com significado de ‘quente’; outros apontam, dubitativamente, um étimo grego: ourios, que tem, por sinal, sentido exactamente contrário: «favorável»; outros, ainda, filiam-no no adjectivo latino orbus, que quer dizer «privado dos pais» ou… dos filhos!
            Pela minha parte, inclino-me mais para essa questão da temperatura, não só porque o «gorar-se» está muito relacionado com variações térmicas, mas também porque, na realidade, essa aproximação com uma etimologia indo-europeia não é desprovida de solidez. Assim, a propósito da divindade ‘termal’ Bormanicus, escreveu Juan José Moralejo que a palavra galega e portuguesa goro (em castellano, ‘huero’) documenta bem a existência, nas línguas românicas, de um substrato céltico, a partir de *ghwor- > *gwor- (estranhas formas de tentar grafar sons bem antigos, digo eu!...).

Publicado em VilAdentro [S. Brás de Alportel] nº 177, Outubro de 2013, p. 10.

 

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