quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

E o que é a «voz do Povo»?

               Na mais recente versão – que aprecio – do fado 'Por morrer uma andorinha', popularizado por Carlos do Carmo, atribui-se ao «povo», a dado passo, o mote principal do poema. Mas acontece que o «povo», aqui, tem um nome. E Celestino Costa conta de novo a história num dos seus últimos livros (Nomes ou alcunhas das pessoas dos meus livros, Apenas Livros – Associação Cultural de Cascais, 2013, p. 18). Transcrevo:
             «Em 1946, João da Mata vivia com a fadista Quinita Gomes e ela “deixou-o” e ele com desgosto escreveu a quadra:
 
                                   Se deixaste de ser minha
                                   Não deixei de ser quem era
                                   Por morrer uma andorinha
                                   Não acaba a Primavera.

            O seu colega e amigo Frederico de Brito depois de ele morrer juntou a essa quadra mais quatro quadras que resultaram no fado “Por morrer uma andorinha”.»
            Foi, por sinal, aquando  da apresentação do primeiro livro de poemas de Celestino Costa (A Minha Terra e Eu, Cascais, 1992), que Alice Vieira nos chamou a atenção para essa metamorfose do que é verso ou frase lapidar de autor: dada a sua oportunidade e quotidiana evidência, entranha-se no sentir popular e, a determinada altura, já não se sabe de quem é. Exemplificou-o, nesse 6 de Julho de 1992, com a conhecidíssima quadra «Ó minha mãe, minha mãe / Ó minha mãe, minha amada / Quem tem uma mãe tem tudo / Quem não tem mãe não tem nada» – que se pensa «popular» e é de Afonso Lopes Vieira.
            De Celestino Costa eu gostaria que também se ‘entranhasse’ esta passagem do seu poema «Pátria querida», inserto nesse livro (p. 79), e se consciencializasse bem o seu profundo significado, num momento em que são os poetas que mais sentem e veiculam as mui desencontradas angústias que nos vão na alma e nos apeteceria gritar na praça pública:

                                                «Prós poetas, Pátria querida,
                                               És madrasta toda a vida,
                                               Só és mãe depois da morte!...».

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 627, 01-12-2013, p. 12.

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