Os testemunhos de antigos alunos e a sessão solene
Assim,
na tarde do passado dia 21 de Novembro, em sessão presidida pelo Director do Departamento
de Ciências e Técnicas do Património, Doutor Rui Centeno, antigos alunos
prestaram o seu testemunho acerca da actividade que tiveram oportunidade de desenvolver,
guiados pelos preciosos ensinamentos do Mestre.
Virgílio
Correia, actual Director do Museu de Conimbriga, evocou a sua pesquisa no âmbito
das epígrafes pré-romanas do Sudoeste, tema sobre que elaborou a sua dissertação
de mestrado.
Patrícia
Costa referir-se-ia às pesquisas feitas quer no âmbito da Epigrafia quer, a nível
de mestrado, na Museologia.
Lino
Tavares Dias deu conta do incondicional apoio dado às investigações no Freixo
(Marco de Canavezes), que desembocariam na sua tese de doutoramento sobre Tongobriga.
Joaquim António Gonçalves
Guimarães realçou as iniciativas desenvolvidas em Gaia, designadamente a criação
do Centro de Estudos Arqueológicos de Gaia, que se tornaria, mais tarde, no Gabinete
de História e Arqueologia de Vila Nova de Gaia, com a publicação da revista Gaya. As tesserae hospitales de Monte Murado foram referidas como uma das descobertas
mais relevantes na sequência dessa actividade.
José
Manuel Flores Gomes, da Póvoa de Varzim, referiu-se às escavações em Sanfins, Vila
Praia de Âncora, Cividade do Terroso.
O
homenageado comentou e complementou, agradecendo, o que fora testemunhado.
Aludiu ao livro que vai sair sobre a Ourivesaria (uma edição dos CTT), que
muito o honra; à criação do curso de Museologia e ao serviço que a Faculdade
não tem regateado às autarquias, em interdisciplinaridade. Concluiu afirmando:
«Estamos
aqui para dar o que pudermos. O trabalho é uma missão, não um emprego. E se,
como se diz, o sacramento do sacerdócio imprime carácter, garanto que esse
carácter se mantém».
A cerimónia solene,
presidida pelo Magnífico Reitor da Universidade do Porto, Prof. Doutor José Marques
dos Santos, registou enchente no Anfiteatro Nobre da Faculdade de Letras, com a
presença de quase duas centenas de pessoas, entre as quais também colegas de
Arqueologia das universidades de Coimbra, Lisboa, Nova de Lisboa, Évora, Portucalense
e Instituto Cultural D. António Ferreira Gomes. A Doutora Fátima Marinho, Directora
da Faculdade, abriu a sessão e deu a palavra ao Professor José d’Encarnação, da
Universidade de Coimbra, encarregado de proferir o elogio do homenageado.
Procedeu-se, de seguida, à entrega
da medalha, que foi longamente aplaudida. O Doutor Armando Coelho agradeceu, sensibilizado,
e concluiu dedicando à neta, Catarina, a medalha que ora lhe foi atribuída – para simbolizar
uma esperança que perdura!
O Doutor Rui Centeno apresentou o
volume XII, de 2013, de Património (Revista
da Faculdade de Letras – Ciências e Técnicas do Património), constituído por
estudos em homenagem ao galardoado.
O Magnífico Reitor encerrou a sessão,
congratulando-se com a iniciativa, a que a Reitoria, disse, vivamente se associou,
sublinhando alguns dos pontos que considerou marcantes do curriculum vitae do Doutor Armando Coelho.
«Saiu o semeador…»
Peço
vénia para transcrever o que então tive a honra de dizer:
«Saiu o semeador a semear a sua semente.
Algumas sementes caíram à beira do caminho, vieram as aves e comeram-nas.
Caíram outras em terreno pedregoso,
onde não havia muita terra, e logo brotaram, porque a terra não era profunda; mas,
assim que o Sol se ergueu, as plantas ficaram queimadas, secaram, porque não
tinham raiz suficiente.
Outras caíram entre espinhos e os
espinhos cresceram e sufocaram as plantas.
Outras, porém, em boa terra caíram;
e deram fruto: umas cem, outras sessenta, outras trinta!».
[…]
Dezenas de vezes,
ao longo da sua vida, mormente na 1ª fase, o Doutor Armando Coelho Ferreira da
Silva terá comentado o trecho por onde comecei, retirado de Mateus 13, 3-8.
Porque
semear é a realidade vivida pelo sacerdote e pelo professor que faz da
sua existência um verdadeiro sacerdócio.
Não
lhe competiria, à primeira vista, segundo a parábola de Cristo, escolher o
terreno onde a semente vai cair – essa não era, no momento, a intenção da Sua
mensagem («Quem quiser entender que entenda», perorou); sabemos, todavia, que
não é bem assim – nem na agricultura nem na docência.
E
ocorre-me aqui uma outra parábola, a do estatuário do Padre António Vieira: dão-lhe
para as mãos a pedra bruta e, aos poucos, pacientemente, «aqui desprega, ali
arruga, acolá recama», a pedra «tosca, bruta, dura, informe»
vai ganhando feições, abre-se-lhe o olhar e esboça-se-lhe um sorriso quiçá!
Essa,
aliás, a missão do Mestre: burilar, abrir visões, despertar sorrisos!
E
foi Mestre, tem sido Mestre e continuará a sê-lo (queremos que ainda por longos
anos!) o nosso homenageado de hoje, o Doutor Armando Coelho.
Direi
que assim o nomeio, como toda a gente, ainda que seja essa uma das «guerras»
que travei com ele. Sei que nunca quis assinar com esse nome os trabalhos,
porque outro ‘Armando Coelho’ houve – e não queria confusões. Sempre lhe disse
que pôr Armando Coelho Ferreira da Silva era
longo de mais e dava origem (e deu!) a ver os seus textos inesperadamente citados
por inconcebíveis ordens alfabéticas: Ferreira da Silva, Armando Coelho; Da
Silva, Armando Coelho Ferreira; Silva, Armando
Coelho Ferreira da; e, até, Coelho Ferreira da Silva, Armando!
Atenção,
pois, aos que forem encarregados de elaborar a respectiva colectânea!
ooo
Conheço
o Doutor Armando Coelho desde (se não erro)
o III Congresso Nacional de Arqueologia, realizado aqui no Porto em 1973, por iniciativa
do saudoso amigo comum, Carlos Alberto Ferreira de Almeida. Há 40 anos, Amigo!
Uma vida!
De
imediato começámos a partilhar conhecimentos, porque palmilhávamos
sensivelmente os mesmos caminhos: eu, no âmbito da religião pré-romana, o
Doutor Ferreira da Silva a sociedade, as “organizações gentilícias”, a chamada
“cultura castreja”; e, por isso, nos reencontrámos, por exemplo, no III Colóquio
de Línguas e Culturas Paleo-hispânicas (Lisboa, 1980), em que apresentou «novos
dados sobre a organização social castreja», temática que viria a constituir a
sua área de investigação privilegiada. A dissertação de doutoramento, as comunicações
a reuniões científicas, as publicações, as orientações – no quadro da licenciatura,
mestrado e doutoramento – tudo iria no mesmo sentido. De modo que não admira
que haja sido considerado o maior especialista nesta área de investigação,
sendo por esse motivo convidado a integrar júris e escrever compêndios – designadamente
para a Universidade Aberta – e capítulos de síntese em histórias de Portugal.
Desde
cedo enveredou também por uma área que lhe era querida – que nos é querida – a
da Museologia e, correlativamente, a do Património, numa altura em que se
postulava para os vestígios arqueológicos maior viabilidade e maior acessibilidade
ao grande público. Nasceu, em estreita colaboração com o Prof. Rui Centeno e
outros colaboradores, a empresa Ethnos; nasceu
o projecto pioneiro da Citânia de Sanfins, e foram nascendo, como cogumelos,
nomeadamente na zona norte do País, novos museus ou novas musealizações, centros
interpretativos, centos de investigação, de que é bem relevante o CEDIEC, Centro
Europeu de Documentação e Interpretação da Escultura Castreja, inaugurado a 24
de Maio de 2012, numa Boticas até então quase desconhecida e onde, na ocasião,
se celebrou um congresso internacional sobre… o rosto das divindades!
Tive
ensejo de integrar o júri da sua agregação, a 15 de Novembro de 1994 (há quase
20 anos, imagine-se!). Dei parecer mui favorável à sua nomeação como professor
catedrático.
Dispensar-me-ei,
pois, de prosseguir neste realçar de uma actividade incessante.
ooo
Recebi há tempos – e já mais do que
uma vez! – um Powerpoint (os amigos,
como sabem, enxameiam-nos destas ‘coisas’ a nossa caixa de correio e nem sempre
há tempo para tudo absorver!...). Esse ppt tinha, porém, um título que me
suscitou curiosidade: a «Síndroma da Desordem»! Certamente alguns dos senhores
já o receberam também. Conta a história do homem já entradote na idade – do
nosso tempo, meu caro Armando! – que, pela manhã, vê que as chaves do carro
estão fora de sítio e apressa-se a ir arrumá-las; de caminho, topa a factura
que há para pagar; poisa as chaves e pena na factura; tocam à porta e larga a
factura; atende o carteiro e… e… ao final do dia, as chaves do carro continuam
fora de sítio, não foi ao multibanco pagar a factura e, antes de adormecer e da
oração da noite, fazendo o habitual exame de consciência , acaba por pensar que
o dia se lhe escoou por entre os dedos sem uma tarefa concreta cumprida.
Não conhecia, naturalmente, este ppt
quando, por exemplo, argui o curriculum vitae
do Doutor Armando Coelho no dia da sua agregação; era, porventura, bem capaz de
lho referir porque – decerto não estarei errado! – essa constitui uma simpática
característica da sua personalidade, fruto da sua educação, da sua árdua vivência
na cúria episcopal (e que tempos heróicos foram esses, em que era preciso agarrar
tudo, estar atento a tudo!...), fiel à máxima antiga, de Terêncio, nihil humani mihi alienum est, «Tudo o
que ao Homem diz respeito não me é alheio», atitude visceralmente humanista, que cada vez mais importa
realçar num tempo, o nosso, em que a pessoa sucumbe e agoniza sob
o avassalador escombro dos números!
E tenho a certeza que tempo é e tempo vai ter o Doutor Armando Coelho para pegar
nas muitas pontas que deixou pendentes e dar-lhes a conclusão que merecem! Não
se assuste! Olhe que eu estou agora a ultimar assuntos iniciados em… 1985!...
ooo
Não
acredito no acaso. Não há. E, a par de docente, investigador e
museólogo, sou jornalista também. Sei, consequentemente, o valor que dimana da
imagem bem escolhida e que, mui frequentemente, nem de legenda carece. «Vale
mais que mil palavras!», garantiu alguém. E é verdade.
Não perguntei
quem escolheu a foto do nosso homenageado que figura no convite para esta sessão.
Mas que ela foi bem escolhida lá isso foi!
Ora
reparem! O homenageado não olha de frente – «Hum! Estás a fotografar-me, mas eu
não ligo, vê lá o que vais fazer dessa foto – vê lá!...») – e, de olhar atento
para outro lado, esboça um sorriso quase enigmático (parece!), como quem pensa:
«Estou a perceber aonde queres chegar, mas há um outro aspecto que tu ainda não
viste e eu já fui lá, conheço bem o sítio, já analisei a questão, depois eu te
conto como foi!...».
Sorriso
algo malicioso também, que reflecte, por outro lado, na sequência da sua filosofia
de vida, o predominante optimismo e a inabalável vontade de vencer.
Optimismo
e confiança que sempre soube inocular nos seus discípulos, como tivemos ocasião
de escutar durante as sentidas intervenções desta tarde (a recordar! Parabéns
aos organizadores! Bem hajam os intervenientes!)… Esses depoimentos mostraram
bem o perfil do Mestre, do Pedagogo Amigo e Conselheiro. Está o Doutor Armando
Coelho orgulhoso dos frutos multiplicados e magníficos que a sua sementeira
logrou obter. Essa é, aliás, a almejada meta do Professor: formar discípulos!
E, nesse aspecto, pode o Doutor Armando Coelho ficar descansado – formou!
ooo
Permita-se-me
que volte a uma evocação de teor religioso.
No
prefácio da missa católica, proclama o sacerdote: «É verdadeiramente digno e justo,
necessário e salutar que sempre e em toda a parte Vos demos graças, ó Senhor!».
Dois dos cânticos litúrgicos mais solenes são, não há dúvida, o Magnificat posto na boca de Nossa
Senhora, «Minha alma glorifica o Senhor!», e o Te Deum sempre entoado na tradição portuguesa por ocasiões de
grande júbilo.
Quando, na
minha vida, passei por grave tribulação, mão amiga ofereceu-me um livro que é,
hoje, meu livro de cabeceira, La
Puissance de la Louange, «o poder do louvor», «a força de um bem-haja!».
Congratulo-me,
pois, vivamente e endereço calorosos parabéns à Direcção da Faculdade de Letras
da Universidade do Porto por ter decidido atribuir ao Doutor Armando Coelho
Ferreira da Silva a medalha de ouro. Um gesto que, na presente conjuntura, em
que, por dá cá aquela palha, mero e seco sms destitui ministros e secretários
de Estado, um telefonema serve para dizer, sem mais, «Amanhã vá tirar os seus
pertences daquela secretária» ou se responde, em relação a um docente que acaba
de se aposentar, «Já não temos os contactos dele, esse professor já foi abatido»
– na presente conjuntura, repito, é esse um gesto nobre, um exemplo altamente
pedagógico, é a Faculdade a mostrar aos seus «meninos e meninas» (a
todos!) quais são os valores por que importa combater, a revolução que urgentemente
importa levar por diante, já! Parabéns!
ooo
Magnífico
Reitor,
Senhora
Directora da Faculdade
Mui
prezados membros da Comissão Organizadora desta homenagem
Estimados
colegas docentes, estudantes e funcionários
Minhas
senhoras e meus senhores!
Como facilmente
depreenderam, creio, foi para mim um privilégio ter sido convidado para, nesta
circunstância, dar aqui o meu singelo testemunho em relação a um Amigo do peito
(jamais esquecerei o seu imprescindível papel na atribuição do doutoramento honoris causa a dois grande vultos da investigação
em Epigrafia – a menina dos nossos olhos, Armando! – e em História Antiga
peninsular, os doutores Alain Tranoy e Patrick Le Roux). Um amigo do peito, um Mestre
no sentido pleno da palavra.
Caminante, son tus huellas
el
camino, y nada más;
caminante,
no hay camino,
se
hace camino al andar.
Al
andar se hace camino,
y
al volver la vista atrás
se
ve la senda que nunca
se
ha de volver a pisar.
Caminante,
no hay camino,
sino
estelas en la mar.
O bem conhecido poema de
António Machado (e tu também és poeta, meu caro Armando!).
Se
hace camino al andar!
Ou, como sugeria
Monsenhor Escrivá:
«Que a tua vida não seja uma vida
estéril! Deixa rasto!»
Professor Armando Coelho: o
professor rasgou caminhos, deixou rasto – continua, aliás, a rasgá-los e a
incitar que outros os sigam e renovem! O nosso voto, hoje e sempre: continua!
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