quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Medalha de ouro para o Professor Armando Coelho

            Como prova de reconhecimento pelos seus relevantes serviços prestados, quis a Faculdade de Letras da Universidade do Porto atribuir a medalha de ouro ao Doutor Armando Coelho Ferreira da Silva, Professor Catedrático de Arqueologia, que se jubilou a 9 de Janeiro, p. p.

Os testemunhos de antigos alunos e a sessão solene
            Assim, na tarde do passado dia 21 de Novembro, em sessão presidida pelo Director do Departamento de Ciências e Técnicas do Património, Doutor Rui Centeno, antigos alunos prestaram o seu testemunho acerca da actividade que tiveram oportunidade de desenvolver, guiados pelos preciosos ensinamentos do Mestre.
            Virgílio Correia, actual Director do Museu de Conimbriga, evocou a sua pesquisa no âmbito das epígrafes pré-romanas do Sudoeste, tema sobre que elaborou a sua dissertação de mestrado.
            Patrícia Costa referir-se-ia às pesquisas feitas quer no âmbito da Epigrafia quer, a nível de mestrado, na Museologia.
            Lino Tavares Dias deu conta do incondicional apoio dado às investigações no Freixo (Marco de Canavezes), que desembocariam na sua tese de doutoramento sobre Tongobriga.
            Joaquim António Gonçalves Guimarães realçou as iniciativas desenvolvidas em Gaia, designadamente a criação do Centro de Estudos Arqueológicos de Gaia, que se tornaria, mais tarde, no Gabinete de História e Arqueologia de Vila Nova de Gaia, com a publicação da revista Gaya. As tesserae hospitales de Monte Murado foram referidas como uma das descobertas mais relevantes na sequência dessa actividade.
            José Manuel Flores Gomes, da Póvoa de Varzim, referiu-se às escavações em Sanfins, Vila Praia de Âncora, Cividade do Terroso.
            O homenageado comentou e complementou, agradecendo, o que fora testemunhado. Aludiu ao livro que vai sair sobre a Ourivesaria (uma edição dos CTT), que muito o honra; à criação do curso de Museologia e ao serviço que a Faculdade não tem regateado às autarquias, em interdisciplinaridade. Concluiu afirmando:
            «Estamos aqui para dar o que pudermos. O trabalho é uma missão, não um emprego. E se, como se diz, o sacramento do sacerdócio imprime carácter, garanto que esse carácter se mantém».
            A cerimónia solene, presidida pelo Magnífico Reitor da Universidade do Porto, Prof. Doutor José Marques dos Santos, registou enchente no Anfiteatro Nobre da Faculdade de Letras, com a presença de quase duas centenas de pessoas, entre as quais também colegas de Arqueologia das universidades de Coimbra, Lisboa, Nova de Lisboa, Évora, Portucalense e Instituto Cultural D. António Ferreira Gomes. A Doutora Fátima Marinho, Directora da Faculdade, abriu a sessão e deu a palavra ao Professor José d’Encarnação, da Universidade de Coimbra, encarregado de proferir o elogio do homenageado.
            Procedeu-se, de seguida, à entrega da medalha, que foi longamente aplaudida. O Doutor Armando Coelho agradeceu, sensibilizado, e concluiu dedicando à neta, Catarina, a medalha que ora lhe foi atribuída – para simbolizar uma esperança que perdura!
            O Doutor Rui Centeno apresentou o volume XII, de 2013, de Património (Revista da Faculdade de Letras – Ciências e Técnicas do Património), constituído por estudos em homenagem ao galardoado.
            O Magnífico Reitor encerrou a sessão, congratulando-se com a iniciativa, a que a Reitoria, disse, vivamente se associou, sublinhando alguns dos pontos que considerou marcantes do curriculum vitae do Doutor Armando Coelho.

«Saiu o semeador…»
            Peço vénia para transcrever o que então tive a honra de dizer:
 
            «Saiu o semeador a semear a sua semente.
            Algumas sementes caíram à beira  do caminho, vieram as aves e comeram-nas.
            Caíram outras em terreno pedregoso, onde não havia muita terra, e logo brotaram, porque a terra não era profunda; mas, assim que o Sol se ergueu, as plantas ficaram queimadas, secaram, porque não tinham raiz suficiente.
            Outras caíram entre espinhos e os espinhos cresceram e sufocaram as plantas.
            Outras, porém, em boa terra caíram; e deram fruto: umas cem, outras sessenta, outras trinta!».
            […]
            Dezenas de vezes, ao longo da sua vida, mormente na 1ª fase, o Doutor Armando Coelho Ferreira da Silva terá comentado o trecho por onde comecei, retirado de Mateus 13, 3-8.
            Porque semear é a realidade vivida pelo sacerdote e pelo professor que faz da sua existência um verdadeiro sacerdócio.
            Não lhe competiria, à primeira vista, segundo a parábola de Cristo, escolher o terreno onde a semente vai cair – essa não era, no momento, a intenção da Sua mensagem («Quem quiser entender que entenda», perorou); sabemos, todavia, que não é bem assim – nem na agricultura nem na docência.
            E ocorre-me aqui uma outra parábola, a do estatuário do Padre António Vieira: dão-lhe para as mãos a pedra bruta e, aos poucos, pacientemente, «aqui desprega, ali arruga, acolá recama», a pedra «tosca, bruta, dura, informe» vai ganhando feições, abre-se-lhe o olhar e esboça-se-lhe um sorriso quiçá!
            Essa, aliás, a missão do Mestre: burilar, abrir visões, despertar sorrisos!
            E foi Mestre, tem sido Mestre e continuará a sê-lo (queremos que ainda por longos anos!) o nosso homenageado de hoje, o Doutor Armando Coelho.
            Direi que assim o nomeio, como toda a gente, ainda que seja essa uma das «guerras» que travei com ele. Sei que nunca quis assinar com esse nome os trabalhos, porque outro ‘Armando Coelho’ houve – e não queria confusões. Sempre lhe disse que pôr Armando Coelho Ferreira da Silva era longo de mais e dava origem (e deu!) a ver os seus textos inesperadamente citados por inconcebíveis ordens alfabéticas: Ferreira da Silva, Armando Coelho; Da Silva, Armando Coelho Ferreira; Silva, Armando Coelho Ferreira da; e, até, Coelho Ferreira da Silva, Armando!
            Atenção, pois, aos que forem encarregados de elaborar a respectiva colectânea!
                                                                         ooo
            Conheço o Doutor Armando Coelho desde (se não erro) o III Congresso Nacional de Arqueologia, realizado aqui no Porto em 1973, por iniciativa do saudoso amigo comum, Carlos Alberto Ferreira de Almeida. Há 40 anos, Amigo! Uma vida!
            De imediato começámos a partilhar conhecimentos, porque palmilhávamos sensivelmente os mesmos caminhos: eu, no âmbito da religião pré-romana, o Doutor Ferreira da Silva a sociedade, as “organizações gentilícias”, a chamada “cultura castreja”; e, por isso, nos reencontrámos, por exemplo, no III Colóquio de Línguas e Culturas Paleo-hispânicas (Lisboa, 1980), em que apresentou «novos dados sobre a organização social castreja», temática que viria a constituir a sua área de investigação privilegiada. A dissertação de doutoramento, as comunicações a reuniões científicas, as publicações, as orientações – no quadro da licenciatura, mestrado e doutoramento – tudo iria no mesmo sentido. De modo que não admira que haja sido considerado o maior especialista nesta área de investigação, sendo por esse motivo convidado a integrar júris e escrever compêndios – designadamente para a Universidade Aberta – e capítulos de síntese em histórias de Portugal.
            Desde cedo enveredou também por uma área que lhe era querida – que nos é querida – a da Museologia e, correlativamente, a do Património, numa altura em que se postulava para os vestígios arqueológicos maior viabilidade e maior acessibilidade ao grande público. Nasceu, em estreita colaboração com o Prof. Rui Centeno e outros colaboradores, a empresa Ethnos; nasceu o projecto pioneiro da Citânia de Sanfins, e foram nascendo, como cogumelos, nomeadamente na zona norte do País, novos museus ou novas musealizações, centros interpretativos, centos de investigação, de que é bem relevante o CEDIEC, Centro Europeu de Documentação e Interpretação da Escultura Castreja, inaugurado a 24 de Maio de 2012, numa Boticas até então quase desconhecida e onde, na ocasião, se celebrou um congresso internacional sobre… o rosto das divindades!
            Tive ensejo de integrar o júri da sua agregação, a 15 de Novembro de 1994 (há quase 20 anos, imagine-se!). Dei parecer mui favorável à sua nomeação como professor catedrático.
            Dispensar-me-ei, pois, de prosseguir neste realçar de uma actividade incessante.
                                                                            ooo
            Recebi há tempos – e já mais do que uma vez! – um Powerpoint (os amigos, como sabem, enxameiam-nos destas ‘coisas’ a nossa caixa de correio e nem sempre há tempo para tudo absorver!...). Esse ppt tinha, porém, um título que me suscitou curiosidade: a «Síndroma da Desordem»! Certamente alguns dos senhores já o receberam também. Conta a história do homem já entradote na idade – do nosso tempo, meu caro Armando! – que, pela manhã, vê que as chaves do carro estão fora de sítio e apressa-se a ir arrumá-las; de caminho, topa a factura que há para pagar; poisa as chaves e pena na factura; tocam à porta e larga a factura; atende o carteiro e… e… ao final do dia, as chaves do carro continuam fora de sítio, não foi ao multibanco pagar a factura e, antes de adormecer e da oração da noite, fazendo o habitual exame de consciência , acaba por pensar que o dia se lhe escoou por entre os dedos sem uma tarefa concreta cumprida.
            Não conhecia, naturalmente, este ppt quando, por exemplo, argui o curriculum vitae do Doutor Armando Coelho no dia da sua agregação; era, porventura, bem capaz de lho referir porque – decerto não estarei errado! – essa constitui uma simpática característica da sua personalidade, fruto da sua educação, da sua árdua vivência na cúria episcopal (e que tempos heróicos foram esses, em que era preciso agarrar tudo, estar atento a tudo!...), fiel à máxima antiga, de Terêncio, nihil humani mihi alienum est, «Tudo o que ao Homem diz respeito não me é alheio», atitude visceralmente humanista, que cada vez mais importa realçar num tempo, o nosso, em que a pessoa sucumbe e agoniza sob o avassalador escombro dos números! E tenho a certeza que tempo é e tempo vai ter o Doutor Armando Coelho para pegar nas muitas pontas que deixou pendentes e dar-lhes a conclusão que merecem! Não se assuste! Olhe que eu estou agora a ultimar assuntos iniciados em… 1985!...
                                                                      ooo
            Não acredito no acaso. Não há. E, a par de docente, investigador e museólogo, sou jornalista também. Sei, consequentemente, o valor que dimana da imagem bem escolhida e que, mui frequentemente, nem de legenda carece. «Vale mais que mil palavras!», garantiu alguém. E é verdade.
            Não perguntei quem escolheu a foto do nosso homenageado que figura no convite para esta sessão. Mas que ela foi bem escolhida lá isso foi!
            Ora reparem! O homenageado não olha de frente – «Hum! Estás a fotografar-me, mas eu não ligo, vê lá o que vais fazer dessa foto – vê lá!...») – e, de olhar atento para outro lado, esboça um sorriso quase enigmático (parece!), como quem pensa: «Estou a perceber aonde queres chegar, mas há um outro aspecto que tu ainda não viste e eu já fui lá, conheço bem o sítio, já analisei a questão, depois eu te conto como foi!...».
            Sorriso algo malicioso também, que reflecte, por outro lado, na sequência da sua filosofia de vida, o predominante optimismo e a inabalável vontade de vencer.
            Optimismo e confiança que sempre soube inocular nos seus discípulos, como tivemos ocasião de escutar durante as sentidas intervenções desta tarde (a recordar! Parabéns aos organizadores! Bem hajam os intervenientes!)… Esses depoimentos mostraram bem o perfil do Mestre, do Pedagogo Amigo e Conselheiro. Está o Doutor Armando Coelho orgulhoso dos frutos multiplicados e magníficos que a sua sementeira logrou obter. Essa é, aliás, a almejada meta do Professor: formar discípulos! E, nesse aspecto, pode o Doutor Armando Coelho ficar descansado – formou!
                                                                  ooo
            Permita-se-me que volte a uma evocação de teor religioso.
            No prefácio da missa católica, proclama o sacerdote: «É verdadeiramente digno e justo, necessário e salutar que sempre e em toda a parte Vos demos graças, ó Senhor!». Dois dos cânticos litúrgicos mais solenes são, não há dúvida, o Magnificat posto na boca de Nossa Senhora, «Minha alma glorifica o Senhor!», e o Te Deum sempre entoado na tradição portuguesa por ocasiões de grande júbilo.
            Quando, na minha vida, passei por grave tribulação, mão amiga ofereceu-me um livro que é, hoje, meu livro de cabeceira, La Puissance de la Louange, «o poder do louvor», «a força de um bem-haja!».
            Congratulo-me, pois, vivamente e endereço calorosos parabéns à Direcção da Faculdade de Letras da Universidade do Porto por ter decidido atribuir ao Doutor Armando Coelho Ferreira da Silva a medalha de ouro. Um gesto que, na presente conjuntura, em que, por dá cá aquela palha, mero e seco sms destitui ministros e secretários de Estado, um telefonema serve para dizer, sem mais, «Amanhã vá tirar os seus pertences daquela secretária» ou se responde, em relação a um docente que acaba de se aposentar, «Já não temos os contactos dele, esse professor já foi abatido» – na presente conjuntura, repito, é esse um gesto nobre, um exemplo altamente pedagógico, é a Faculdade a mostrar aos seus «meninos e meninas» (a todos!) quais são os valores por que importa combater, a revolução que urgentemente importa levar por diante, já! Parabéns!
                                                                    ooo
            Magnífico Reitor,
            Senhora Directora da Faculdade
            Mui prezados membros da Comissão Organizadora desta homenagem
            Estimados colegas docentes, estudantes e funcionários
            Minhas senhoras e meus senhores!
            Como facilmente depreenderam, creio, foi para mim um privilégio ter sido convidado para, nesta circunstância, dar aqui o meu singelo testemunho em relação a um Amigo do peito (jamais esquecerei o seu imprescindível papel na atribuição do doutoramento honoris causa a dois grande vultos da investigação em Epigrafia – a menina dos nossos olhos, Armando! – e em História Antiga peninsular, os doutores Alain Tranoy e Patrick Le Roux). Um amigo do peito, um Mestre no sentido pleno da palavra.
 
            Caminante, son tus huellas
            el camino, y nada más;
            caminante, no hay camino,
            se hace camino al andar.
            Al andar se hace camino,
            y al volver la vista atrás
            se ve la senda que nunca
            se ha de volver a pisar.
            Caminante, no hay camino,
            sino estelas en la mar.
 
            O bem conhecido poema de António Machado (e tu também és poeta, meu caro Armando!).
            Se hace camino al andar!
            Ou, como sugeria Monsenhor Escrivá:
            «Que a tua vida não seja uma vida estéril! Deixa rasto!»
            Professor Armando Coelho: o professor rasgou caminhos, deixou rasto – continua, aliás, a rasgá-los e a incitar que outros os sigam e renovem! O nosso voto, hoje e sempre: continua!
                                                                                              Bem hajam!



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