O
tema proposto pela Comissão Organizadora – professores Maria Dolores Dopico (da
Universidade de Santiago de Compostela), Juan Santos Yanguas (U. do País Basco)
e Manuel Villanueva (também de Santiago) – foi o de se procurar esclarecer qual
o papel específico que, no contexto da Hispânia romana, poderão ter desempenhado
as cidades escolhidas pelo poder central para serem, aí, centros
administrativos capazes de exercerem, como capitais de conventus, as funções de seus interlocutores privilegiados. Teriam,
por exemplo, características distintivas?
Costuma
ser meramente protocolar a sessão inaugural e os discursos, então, de mera circunstância.
Sim, Dolores Dopico recordou os objectivos do colóquio, como era de esperar. O
Delegado da Cultura de Lugo, Mario Outeiro, deu, em nome da Diputación
Provincial, as boas-vindas àquela cidade «hermosa» e acolhedora. Mas o alcalde, José López Orozco, não hesitou
em mostrar a sua elevada cultura, haurida na Pontifícia Universidade de Salamanca
e, após manifestar quanto Lugo está orgulhosa da sua história – «que queremos
recuperar para um presente e um futuro melhores», sublinhou – fez questão em
afirmar que «sem universidade e sem investigação
não pode haver progresso; estamos a cometer um erro que muito em breve
pagaremos»; e, considerando que «a luz nasce precisamente das ideias»,
referiu-se à festa que, em Lugo, na luminosidade do Verão, exalta o seu passado
romano; e incitou os presentes a fazerem marketing
da sua actividade científica, «para que a sociedade dê valor ao vosso
trabalho».
Concluiu
a série de intervenções o Reitor da Universidade de Santiago de Compostela, D. Juan Casares Long,
que acentuou, por seu turno, o facto de terem sido os estudos universitários que
fomentaram a criação da classe média que os governantes ora parecem apostados
em destruir. Prosseguiremos nessa senda de promoção da Cultura, garantiu, ainda
que «seguramente com mais cicatrizes, mais esqueléticos»…
Uma panorâmica das sessões
No
1º tema, debatido na sessão moderada por Juan Santos, apresentaram-se os
modelos de outras províncias: Rudolf Haensch (Universidade de Munique) fez uma
introdução geral sobre as cidades do
poder no Império Romano; Michel Christol (Universidade de Paris I) referiu-se ao
«modelo da Gália Narbonense»; Gino Bandelli (Universidade de Trieste) baseou-se
nos documentos epigráficos para dar conta da presença do poder central nas
cidades da Gália Cisalpina; Lúcio Troiani (Universidade de Pavia) seguiu as informações
fornecidas pela «História dos Hebreus» de Flávio Josefo para o caso da Síria e
da Palestina.
A
criação de uma rede de cidades do poder na Hispânia constituiu o tema seguinte,
em sessão presidida por Isabel Rodà (do Instituto Catalão de Arqueologia Clássica).
Pilar Ciprès (Universidade do País Basco) destacou passagens de Plínio-o-Velho
alusivas à organização do espaço peninsular na sua época, classificando a obra deste
escritor como uma selecção intelectual de elementos destinada a ilustrar uma
elite sedenta de saber como era a Hispânia; Dolores Dopico interessou-se – em
comunicação assinada também por Juan Santos – por aspectos concretos da
governação, nomeadamente o tempo que gastariam os governadores da Hispânia Citerior,
quando, em serviço, se deslocavam às capitais conventuais; a Manuel Salinas de
Frías (Universidade de Salamanca) caberia falar da Lusitânia; e a António
Caballos (Universidade de Sevilha), da Bética.
Poder
político, poder económico. Havia, pois, que abordar as consequências económicas
que a criação de centros urbanos político-administrativos necessariamente
implicava. Assim, foi esse o 3º tema tratado, em sessão que teve como moderador
António Caballos. A Pierre Sillières (Universidade de Toulouse) pediu-se que
falasse das capitais conventuais como «centros da administração viária e da
rede de comunicações»; Salvador Ordoñez e Sérgio García-Dills (ambos da Universidade
de Sevilha) mostraram a importância económica e política de Astigi, a Colonia Augusta Firma; Carlos Fabião (Universidade
de Lisboa) chamaria a si a responsabilidade de mostrar como a criação de
centros urbanos na Lusitânia tivera reflexos na economia, sendo certo que não
pode descartar-se a ideia de que também o factor económico terá estado subjacente
à criação de algumas delas; Manuela Martins e Helena Paula Carvalho, da Universidade
do Minho, analisaram o cadastro de Bracara
Augusta na perspectiva da transformação e organização do território decorrentes
da implantação da cidade; e, a concluir essa panorâmica, Isabel Rodà trouxe-nos
a dinâmica observável entre as populações e, designadamente, entre as elites de
duas cidades vizinhas: Barcino e Tarraco.
«As
consequências nos povos indígenas: mudanças sociais e institucionais» foi o 4º
tema abordado, em sessão presidida por Manuel Rabanal Alonso (Universidade de León).
Explicitou Manuel Villanueva as novas perspectivas que ora se apontam no que
concerne à criação de Lucus Augusti; Juan
Santos tomou de novo a palavra para referir o impacto de Asturica Augusta (comunicação também da responsabilidade de Dolores
Dopico); de idêntico tema dissertou Francisco Beltrán (Universidade de Zaragoza),
mas em relação a Caesar Augusta (de
notar a grafia que defendeu, em vez de Caesaraugusta,
pois que, na verdade, de outra forma se não poderão interpretar, em seu entender,
siglas como C·C·A·, «Colonia Caesar Augusta»),
cuja «fundación supuso, desde luego, la creación de un centro vertebrador
con proyección regional» e determinou, «además, una profunda recomposición no
sólo del vasto territorio que Augusto le atribuyó para dotarle de una base
económica acorde con esa función integradora sino también de la población que
en él habitaba». Estíbaliz Ortiza de
Urbina (Universidade do País Basco) levou-nos de novo a Tarraco, pois à sua intervenção deu o título «Tarraconenses e Hispani Tarraconenses
– Memoria epigráfica en la práctica cívica e provincial hispana». Tive ensejo
de encerrar esse tema, trazendo à colação a importância da ‘epigrafização’, ou
seja, o hábito de fazer epígrafes, para veicular o poder ou o contra-poder e, ainda,
para nos elucidar acerca da aculturação entre indígenas e colonos, patente nos
esquemas onomásticos e na adopção das crenças, na Lusitânia ocidental.
E
coube-me presidir à sessão do último tema: «Os aspectos ideológicos». Silvia
Alfayé (Universidade de Zaragoza) relacionou religião e poder na Hispânia céltica,
demorando-se, de modo especial, no contributo dado pelas inscrições patentes em
grutas-santuários (La Griega, La Cueva Negra…) , espaços que, mormente pelos
oráculos que lhes poderiam estar associados, detiveram importante papel na vida
das cidades; Jaime Alvar (Universidade Carlos III, Madrid) salientaria a enorme
contribuição dos cultos iniciáticos (cultos nilóticos, de Cíbele e Átis, de Mitra)
para a inovação religiosa em ambiente urbano; por fim, Juan Manuel Abascal (Universidade
de Alicante) mostrou, com exemplos, as manifestações da intervenção imperial
nas “cidades do poder”.
Antes
da sessão de encerramento, em que – em nome dos organizadores – Juan Santos Yanguas
agradeceu a imprescindível contribuição dada pelos intervenientes, pelos participantes
e, designadamente, pelas entidades patrocinadoras, Patrick Le Roux (Universidade
Paris XIII) optou, na alocução final, por fazer, em termos gerais, uma reflexão
do foro metodológico sobre a investigação em História; interrogou-se, por
exemplo, sobre se deveríamos falar de «cidades do poder» ou, antes, de «cidades de poder», sobre a diferença entre uma «visão militar» e uma «visão
civil»…
Actividades complementares ou uma cidade romana a descobrir
Permita-se-me que
não deixe de me referir a outras actividades que enquadraram este colóquio.
Em
primeiro lugar, a preocupação de dar a conhecer aos convidados sítios emblemáticos
da gastronomia e do património locais, como, por exemplo, o Centro Interpretativo
de Terras do Miño, polivalente parque urbano criado pela Diputación Provincial
às portas da cidade, onde, como já vai sendo hábito, se aproveitou uma azenha
para restaurante de sabores tradicionais.
Depois,
a cordialidade bem galega da recepção no Ayuntamiento.
O alcalde fez questão de saber quem
eram, um a um, os participantes na reunião e solicitou que um representante de
cada país dissesse de sua justiça. Fez de novo o elogio da Cultura e da consciência
histórica como indispensável veículo de promoção social e de enraizamento da
população: «Vocês trabalham uma matéria-prima, o conhecimento, que jamais se
esgota!». E congratulou-se pelo facto de Lugo se apresentar como cidade de
características urbanas, sim, mas que não prescinde de uma ruralidade que, na actual
conjuntura político-económica, se antoja como relevante caminho a percorrer. No
final, ofereceu o mais recente livro de António Rodríguez Colmenero, uma
síntese para o grande público acerca da génese e evolução histórica de Lucus Augusti (14 a . C. – 711 d. C.), «La ciudad romano-germánica del Finisterre
Ibérico» (edição do Concello de Lugo, 2011).
Finalmente
– e não de somenos – a pormenorizada visita de estudo aos monumentos mais significativos
de Lucus Augusti.
Primeiro,
a muralha de 2266 metros
de perímetro, a única do Império Romano que integralmente se conserva, por onde
se pode tranquilamente passear, alvo de sucessivas campanhas de sondagem e de
escavação destinadas a melhor se compreender a orgânica defensiva que lhe está subjacente.
Inscrita pela UNESCO desde 2 de Dezembro de 2000 como Património da Humanidade,
data do tempo do imperador Galieno (século
III) e constitui, na verdade, um portentoso e bem impressionante ex-libris da
cidade. Fomos guiados pelo arqueólogo municipal dela responsável, Enrique J. Alcorta Irastorza, de quem poderá citar-se,
entre várias outras contribuições, a comunicação «Un ejemplo de
ingeniería militar romana bajo imperial: la muralla de Lugo», apresentada ao IV Congreso de las obras públicas en la
ciudad romana, Colegio de Ingenieros Técnicos de Obras Públicas, Lugo –
Guitiriz, 2008, p. 15-49.
Reúne, naturalmente, o Museo
Provincial de Lugo notável acervo arqueológico, recolhido não apenas na cidade
mas em toda a província. Aí periodicamente se realizam, por isso, exposições
temáticas, a realçar um que outro conjunto; é disso exemplo a que, de 28 de
Junho a 15 de Setembro de 2011, abordou o tema «A plástica provincial romana no
Museo de Lugo», de que resultou assaz eloquente catálogo ilustrado. Era, pois, visita
obrigatória! Guiou-nos, com especial relevo no sector epigráfico, o Prof.
Filipe Árias Vilas, que assinou (recorde-se), com Patrick Le Roux e Alain
Tranoy, um livro pioneiro no seu tempo: Inscriptions Romaines de la
Province de Lugo (Paris, 1979).
A «Domus Oceani» ou «Casa de los
Mosaicos», assim chamada por ter num mosaico a representação do deus Oceano,
foi-nos explicada por Enrique González Fernández, o arqueólogo que superintendeu
aos trabalhos e o autor da respectiva monografia, profusamente ilustrada: Domus Oceani – Aproximación á arquitectura
doméstica de Lucus Augusti (Concello de Lugo, 2005). Sita debaixo de um
imóvel, está devidamente musealizada e aí pode apreciar-se, durante a visita,
um vídeo que inclui reconstituições virtuais desta magnificente casa romana.
A «Domus do Mitreo», assim designada
por, numa dependência da mansão, ter sido identificado um espaço destinado ao
culto do deus Mitra, com o altar dedicado a esta divindade por um centurião da
VII Legião Gemina Antoniniana Pia Felix.
Guiou-nos o investigador directamente ligado ao sítio, Celso Rodríguez Cao, autor
da monografia: A Domus do Mitreo, edição
de 2011 da Universidade de Santiago. Também ela profusamente ilustrada,
constitui o catálogo de uma exposição, contendo estudos específicos sobre os materiais
encontrados (numismas, vidro, cerâmica, metal) e sobre a sua integração (por
Jaime Alvar) no contexto do mitraísmo hispano, assim como a relacionação do
sítio com os achados arqueológicos da Praça Pio XII que lhe fica adjacente.
Em suma: para além do muito que se
aprendeu na reunião científica propriamente dita, o contacto ao vivo com vestígios
arquitectónicos de tamanha importância enriqueceu-nos sobremaneira, tanto mais
que as entidades com responsabilidade na cidade não têm deixado os seus
créditos por mãos alheias e têm sabido, exemplarmente e em parceria, preservar,
divulgar (folhetos, desdobráveis, monografias, vídeos…) e pôr ao dispor dos
habitantes e dos forasteiros um singular património histórico-cultural – o que
muito nos apraz registar e aplaudir.
Publicado em archport, a 09-11-2013
http://ml.ci.uc.pt/mhonarchive/archport/msg17105.html.
http://ml.ci.uc.pt/mhonarchive/archport/msg17105.html.
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