Gostei de ver, na carruagem, a publicidade: «A CP
leva-te a Pedaços de Aventura no Parque Palmela».
Não
fui lá de comboio; mas, num domingo de Dezembro, ainda havia tempo bom, em vez
de optarmos pelo paredão, enchemos de oxigénio os pulmões e o olhar dos mui variegados
cromatismos verdes do Parque Palmela.
Fizemos
de conta que não vimos os caixotes envidraçados pendurados lá no alto e deliciámo-nos
a observar a pequenada a viver perigosamente, na aventura duma travessia por
sobre o leito seco do ribeiro, sob o olhar atento dos monitores.
Havia
medronhos; as oliveiras ofereciam azeitonas tristes; a passarada (melros, rolas,
fuinhos, felosas, pardais…) brincava, alegre, de ramo em ramo…
«Pedaços
de aventura», um programa inovador, bem complementado por simpática esplanada
onde apetece serenar.
Contagiante meiguice
Admirei-me e não me contive:
‒
Tão meiguinha aquela senhora, Marisa! Fala baixinho, pede com uma serenidade incrível!...
‒
Viu? É sempre assim! Aquela senhora é bênção
serena, quando aqui vem! Uma delícia!
Andará
aí pelos 30/35 anos. Loirinha, em jeito de nórdica há muito a viver entre nós.
Como,
numa tarde, se pode espalhar uma ternura assim!...
Malas, malas, malas…
Quatro da tarde, 9 de Fevereiro, plataforma da estação de Cascais.
Vieram
primeiro dois, um deles ajoujado de bem pesada mala, ainda com a etiqueta posta
no check-in dum aeroporto distante. Ao fundo, uma senhora, negra também,
olhava. Já eu me sentara no comboio e vi pela jane la:
uma gravidez avançada obrigava-a a passada lenta; um dos jovens voltara atrás e
carregava agora outra mala, pesadona pelo jeito. Imaginei: família vinda de Angola
ou da Guiné, em busca de vida melhor, de maternidade acolhedora onde a criança pudesse nascer.
Nunca
mais os encontrarei, decerto. Nem os rostos bem os fixei. No íntimo, porém,
senti que devia ter por eles devoto pensamento positivo: que a vida, aqui,
consiga fazê-los sorrir!
O comboio
Apercebi-me, pelo noticiado relatório, que cérebros
inteligentes haviam proclamado ser o incentivo ao comboio uma das prioridades! Aplaudo,
naturalmente! Pela comodidade, pela rapidez e habitual pontualidade, pela poluição mínima…
E
clamo contra os empórios, contra os interesses instalados, contra a inércia
anquilosante! Pode lá ser!... O litoral algarvio, por exemplo: passa um comboio
de vez em quando. Velho, desconfortável, imagino eu, quando sei que a cidade de
Silves não tem ninguém na estação
que fica a quilómetros do centro urbano: nem bar, nem paragem de autocarros, nem
táxis, num um só funcionário da CP!...
Mania
essa, suicida, de cortar nas despesas! Como se esse ‘corte’ significasse
aumento de riqueza! Gente tacanha, que incita ao empreendedorismo (palavra que
lhes enche a boca!...), mas que, no quotidiano das leis que aprovam, só conhecem
a palavra cortar! Para… matar!
Na
derrocada, porém, não haverá tábua
de salvação disponível!
Os carros
Toda a gente com dois dedos de testa ficou estupefacta:
como foi possível pensar em pôr a concurso carros (dizem!) «topo de gama»?
Pobre
desconfia quando a esmola é grande e começa logo a magicar: que é que está por
detrás disto tudo? Cheira a esturro, não cheira?
E
um dia se há-de saber donde se escapuliu a labareda.
Publicado em Costa do Sol – Jornal Regional dos Concelhos de Oeiras e Cascais,
nº 33, 19-02-2014, p. 6.
Sem comentários:
Enviar um comentário