Gosto do açúcar amarelo. Desde
pequeno. Faz torrões. O branco não. À socapa, roubava-se um para a boca. Um,
dois, três – se a mãe ou o pai não nos descobriam de açucareiro de alumínio aconchegadinho
ao peito.
Aprendi na escola que fora uma
descoberta relevante. Primeiro, na Ilha da Madeira. E o açúcar, nesse século
XV, fez as delícias de comerciantes. Veio, no século XVII, a concorrência do
Brasil e toda a magnífica construção de engenhos, manobrados pela mão-de-obra
negra ida de S. Tomé, Guiné e Angola. «Senhor de engenho», o senhor importante.
Surgiram ao lado os solares (outro nome teriam, quiçá), casas apalaçadas a
mostrar o estatuto elevado do senhor e que, depois, os brasileiros de
torna-viagem copiaram em Portugal. Grande riqueza o açúcar brasileiro até que
os bandeirantes adregaram entrar sertão adentro e deram em encontrar pepitas de
ouro nos terrenos de aluvião.
Servia para a doçaria conventual,
ninguém se preocupava nem sabia o que era isso da diabetes. Os doces, uma tentação;
e os boticários até proclamavam os benefícios do açúcar no tratamento de
maleitas várias.
Hoje, ai de ti se comes um torrão,
olham-te de soslaio. «Ai tomas o café com açúcar? Eu já não tomo! Sabe-me
melhor o café a café!». Pronto. Azar do açúcar, que não há boticário cientista
que ora lhe proclame as benfeitorias.
Por isso apreciei deveras aquele
pacote de açúcar. Houve um tempo em que coleccionei para uma das minhas afilhadas.
Agora, seriam precisas 1001 gavetas ou álbuns para arrumar tudo, tantas são as campanhas.
Gostei muito daquele, surgido assim que a epidemia aliviou. Bem pensados os
dizeres. Profunda e bem ajustada a mensagem:
Aquele reencontro matinal,
descontraído, ante de nos encafuarmos no emprego, olhos fixos no computador.
Saboreia-se o café, folheia-se o jornal, sente-se a textura do papel…
Abençoado quem tal pensou. Abençoado
quem tenha voltado a poder usufruir da benesse tão eloquentemente assim
enunciada! Oxalá que muitos! Muitos!
José d’Encarnação
Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 807, 01-10-2021, p. 12.
Adorei o texto! Aliás,não há como não gostar dos belos escritos do Sr.Dr.José de Encarnação.Um abraço e muita saúde para continuar!
ResponderEliminarTambém lembro, quando vinha da escola, de ver certas crianças "gulosas", como lhes chamavam, já com os pacotes de papel pardo humedecidos dos beiços ávidos de um torrãozinho. Grata pela lição de História. Quanto a este pacotinho, quanta sabedoria na campanha publicitária do grupo com adesão de várias marcas. Josés em Portugal há imensos, embora poucos tão especiais como o autor deste texto, qua agradeço. Daí que a ideia, e o slogan, tenham sido muito engenhosos.
ResponderEliminarDora Barradas 14 de outubro de 2021 16:49
ResponderEliminarAdorei esta ! … leve e doce como o açúcar, soube bem, para quem também comia torrões do açucareiro da avó !!
Grata
Já não o como aos torrões mas não o dispenso no café, no arroz, no flan, no Abade de Priscos, etc etc...a lista seria grande! Abraço.
ResponderEliminarMuito bem! Gostei. Quem não roubou um "torranito" de açúcar às escondidas?
ResponderEliminarPaulo Renato
ResponderEliminarUma fatia de pão caseiro, um fio de azeite, polvilhado com açúcar amarelo, acompanhado de café (da borra dizia ela), foi durante anos o pequeno almoço que vi minha avó materna comer. Obrigado pelo seu texto que reavivou lembranças da minha infância.
José d'Encarnação
Paulo Renato Uau! Esse panito com o fio de azeite e açúcar - delícia!...
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