sábado, 19 de janeiro de 2013

«Património Histórico na Freguesia de Cascais»

              Merece o maior encómio a iniciativa da Junta de Freguesia de Cascais de patrocinar a edição do livro «Património Histórico na Freguesia de Cascais», da autoria de Manuel Eugénio F. Silva e José Ricardo C. Fialho, apresentado no passado dia 14 de Dezembro.
           O principal contributo da obra reside no facto de nela se terem procurado registar exaustivamente todos os ‘monumentos’ (usando a palavra no seu sentido mais lato) que existem, ou existiram até há pouco, no território da freguesia: casas com memória, chafarizes, fortalezas, grutas, monumentos, museus, placas-testemunhos, templos e… «o que já não existe».

Um trabalho meticuloso
            Trata-se de um trabalho sério, meticuloso, corajosamente levado a cabo por quem, ainda que sem formação histórica específica, tudo procura registar, aduzindo documentação adequada, amiúde esquecida.
Claro que, por isso mesmo, se torna aliciante, transformando-se como que num guia para quem deseje passear-se pelo termo da freguesia cascalense e será tentado depois a querer saber mais, recorrendo, então, a outros livros, com outro tipo de documentação. Alguns são indicados na mui reduzida bibliografia final, que uma visita à biblioteca municipal ou mesmo às edições camarárias (patrocinadas algumas, inclusive, pela própria Junta de Freguesia) logrará facilmente complementar.
Admira-me, por exemplo, que – certamente por modéstia – os autores não tenham querido citar os livros que já fizeram e que viriam a propósito; ou que hajam omitido não apenas livros que tratam especificamente dos monumentos ou até das placas que referem, designadamente uma obra que se me afigura de grande interesse neste domínio: «Povoamento e Arquitectura Popular na Freguesia de Cascais», edição da Junta de Freguesia de Cascais, em 2004, de João Cabral e Guilherme Cardoso; ou, ainda, o magnífico catálogo da exposição «Patrimónios de Cascais» editado pela Câmara (2003), devido também a João Cabral e à sua equipa do Gabinete de Arqueologia camarário.

Placas com letras e esculturas
            Tudo é, porém, passado a pente e, como epigrafista, não posso deixar de me congratular com a importância dada às placas comemorativas, designadamente aquelas que, numa louvável iniciativa da Câmara, foram sendo afixadas em casas onde viveram pessoas ilustres do nosso País. E também as placas evocativas de acontecimentos marcantes para a história local. Não lhes escapou, por exemplo, a placa que marcou a inauguração do Bairro Operário, a 12 de Março de 1933 (por lapso, vem indicado o mês de Maio, na p. 205); nem, no que se refere ao abastecimento de água na freguesia, o que foi durante muito tempo designado «o depósito de água», no Alto da Pampilheira, cuja placa de mármore (p. 158) dá conta de que a deliberação de o construir foi tomada na sessão camarária de 6 de Julho de 1898, sendo presidente da Câmara Jaime Artur da Costa Pinto.
            Um dos aspectos com que também mais me regozijo é o rol das esculturas plantadas em meio das nossas rotundas, incluído no capítulo «Monumentos». Há anos que pugno para que se faça tal roteiro. Agora se fez, ainda que de boa parte se desconheça o significado ou o nome; mas sempre ficamos com uma ideia de quando foi colocada e quem é o seu autor. Parabéns!

Algumas achegas
            E se, como epigrafista, fico consolado, como arqueólogo gostaria que – além da gruta do Poço Velho e da placa que assinala, no chão, o troço de muro de contenção da Ribeira das Vinhas identificado aquando, em 2008, ali se fizeram escavações para implantação dos contentores subterrâneos – também houvesse sido incluída entre o património histórico da freguesia a «villa» romana dos Casais Velhos, classificada como imóvel de interesse público pelo decreto-lei nº 29/84, de 25 de Junho. Creio que também poderá ter escapado uma notável epígrafe sita nas traseiras da cerca da Casa das Histórias Paula Rego, inicialmente incorporada num chafariz hoje desaparecido, não mencionado. Reza o seguinte:
«Sendo rei dos três Reinos Unidos de Portugal, Brasil e Algarves, o muito alto, poderoso e fidelíssimo Senhor D. João VI, se fez esta parada, em que trabalharam os soldados do Regimento nº 19, sendo coronel Francisco José da Costa do Amaral, o qual mandou colocar este padrão no ano de 1818».
            Tivemos ocasião de a recentemente analisar («Cascais – Paisagem com Pessoas dentro», Cascais, 2011, p. 50-52), chamando a atenção para o elevado interesse do seu conteúdo e da sua consequente preservação.
            Outro aspecto com que vivamente me regozijo é o de se haver retomado o que se fizera em 1995, no livro, que assinei com Guilherme Cardoso, «Para uma História da Água no Concelho de Cascais»: a importância dada aos chafarizes. Por sinal, não se indicou que ao chafariz estão habitualmente ligados os tanques de lavar roupa, como acontece na Charneca, na Areia e, ainda, no Cobre. São, de facto, ‘monumentos’; aliás, amiúde, o único monumento existente no lugar. Recordo, por exemplo, a pompa e circunstância de que se revestiu, em meados da década de 50, a inauguração, com a presença do Sr. Governador Civil, do modesto chafariz da então chamada Barraca de Pau, que vinha satisfazer as necessidades de abastecimento do «Bairro da Felecidade», assim designado em homenagem à mulher do seu construtor, Zé Martins, aglomerado populacional então relativamente importante, dada a grande comunidade de algarvios aí residentes, vindos para o trabalho nas pedreiras.
            Enfim, mais um relevante testemunho dá este livro de Manuel Eugénio e Ricardo Fialho para a história da freguesia de Cascais. Retrato minucioso e cuidado do que hoje por aí se vê – num convite, afinal, à descoberta de um rincão onde é bem agradável viver, porque… respira história por todos os poros!

Publicado em Jornal de Cascais, nº 329, 16.01.2013, p. 6.



1 comentário:

  1. Rui Costa Pinto, em e-mail datado de hoje, 22, teve a gentileza de me enviar o comentário q a seguir se transcreve e que visa esclarecer uma passagem do livro em análise. Considero que as redes sociais constituem, cada vez mais, espaços de esclarecimentos e troca de impressões; por isso me congratulo e agradeço.
    Aqui vai:

    «Na página 104 é referido a dada altura que Gago Coutinho e Sacadura Cabral tripulavam “um bimotor, o Lusitânia” o que sextante foi ”inventado pelo piloto Gago Coutinho”
    1 - O Lusitânia era um monomotor e não um bimotor;
    2 - O sextante não foi inventado mas sim adaptado e o Gago Coutinho era o navegador e não o piloto.
    Abraço
    Rui Pinto».


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