Preparada
no mais completo segredo, a casa ora recuperada no Centro de Apoio Social do
Pisão (antiga «Mitra»), sita na freguesia de Alcabideche (Cascais), impõe-se-nos,
desde logo, pelo majestoso portal – e só o facto de não estar ainda inteiramente
‘operacional’ é que impediu que o Ministro da Segurança Social tivesse usado a
grande chave antiga para lhe abrir a porta. Lê-se no desdobrável «Uma casa…
muitas histórias»:
«O
núcleo histórico “Casa dos Lagares”, com uma construção
e traços de arquitec tura típicos dos
séculos XVII/XVIII, é composto por três salas complementares. A musealização do sítio e a exposição
de objectos e de fotografias reportam-nos, sobretudo, aos anos 40 do século XX e
permitem-nos viajar no tempo até à actualidade, contando a história de pessoas
que contribuíram para a identidade do Centro de Apoio Social do Pisão».
E,
entrados, foi o deslumbramento. Sabiamente expostos, objectos do que fora
aquela tenebrosa instituição até
1985, onde, para o Pavilhão da Psiquiatria, afastado dos demais, a comida era
preparada em bidões levados para os utentes-presos em cima de uma desengonçada carroça
que também se logrou recuperar. Lá estavam as fotografias a mostrar como era,
rostos macerados, martirizados, dolorosamente tristes ou alheados do momento… Aquele
ali, que parou para a fotografia, na altura em que dava de comer ao companheiro
acamado. E as sentinas… E os frascos dos medicamentos, material médico e
cirúrgico… Objectos litúrgicos da Capela da Sagrada Família. A cadeira do
barbeiro (ou do dentista?). As formas do sapateiro. A velhinha central
telefónica. E aquela foto como que «de família», em filas ou em formatura, os
guardas à frente, tudo fardado e de bivaque na cabeça…
Uma
que outra parede de pedra e argamassa à mostra. O forno que se pôs a descoberto
e, sobretudo, o lugar onde assentava a enorme seira do lagar de azeite. Pelas
dimensões, um grande lagar, alimentado, sem dúvida, pelas oliveiras da extensa
propriedade, que os internados sob escolta trabalhavam… E pensar que esta –
agora, “Casa do Azeite” – «na época da Colónia Agrícola do Pisão, serviu de
casa de castigos»!...
A
«Casa do Lagar» é “espaço de museu, onde ainda existe o lagar de pisar uvas e o
vestígio da prensa; aqui estão expostas peças de madeira, ferro e folha usadas
pelos ‘colonos’ e algumas confeccionadas pelos próprios”.
Inigualável,
o poder evocat ivo desses espaços, a
levar-nos para um outro painel, polvilhado de rostos, de pessoas, de sorrisos e
de lágrimas, e, por cima, o mote de tudo, haurido em Victor Hugo:
«O
futuro tem muitos nomes. Para os fracos, é o inalcançável. Para os temerosos, o
desconhecido. Para os valentes é a oportunidade». Nem há necessidade de
comentários!
As mensagens que ficaram
Percorreram-se as instalações.
Tomou-se um cafezinho noutra «casa» (a palavra ‘casa’ surge aqui e além – Casa
do Lagar, Casa de ligação , Casa do
Azeite –, nesta vontade de se ter acolhedor lar confortável…). Logrou-se fazer
de um recanto a sala de informática. Num outro, a oficina de modelagem. Naquele
ali, a marc enaria. Naqueloutro,
senhoras preparam bolinhos… A cozinha quase industrial. O enorme e mui airoso
refeitório. A farmácia com todos aqueles doseadores cheios de comprimidos para
o pequeno-almoço, o almoço, o jantar, a ceia… Há quem tome quase vinte
comprimidos por dia, senão mais! E tudo tem de estar devidamente arrumado…
Pelo
meio, agora serenas, murmurejam as águas da Ribeira do Pisão que acasalarão mais
adiante com as da Ribeira da Penha Longa, formarão o Rio Marmeleiro e se
metamorfosearão, a jusante, na conhecida Ribeira das Vinhas.
Na
Sala da Formação, sentámo-nos para os discursos, em jeito de partilha de
emoções.
Contou
a Provedora, Isabel Miguéis: há 340
internados. Um chegou a ser capa da revista Exame! Um outro come tudo o que apanha:
beatas, folhas… Mas o Pisão – dependente, como está, da Segurança Social, não
pode ser um «caixote do lixo» para onde se atira tudo o que os outros ministérios
(por exemplo, o da Justiça) não querem! Não há condições para se receberem
pessoas violentas nem com determinado tipo de doença.
E
foram quatro os pedidos da Provedora:
1
– Que as obras começadas acabem.
2
– Que o compromisso entre a Santa Casa e a Segurança Social seja realmente
prioritário (estava presente a Dra. Mariana Ribeiro Ferreira, presidente do
Instituto da Segurança Social).
3
– Que possamos ser dotados de mais recursos humanos qualificados (não são
precisos muitos).
4
– O pedido maior: que haja respeito pelas pessoas que trabalham na – Segurança Social.
Em
resposta, Pedro Mota Soares, depois de acentuar a necessidade de o Estado contratualizar
a resposta social, deixando, porém, de querer ser «patrão» a impor um conjunto
de regras nas instituições que ele não quis gerir, preconizou maior diálogo
entre o Estado e as instituições, numa relação
que se quer de confiança, não por palavras mas com actos, pois, neste domínio,
qualquer pequena intervenção é
sempre uma grande intervenção .
Publicado em Cyberjornal, edição de 9-12-2014:
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