terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Villa romana do Alto do Cidreira – que futuro?

             Exactamente um ano após termos solicitado entrevista ao Executivo camarário para tentarmos definir uma solução para o sítio arqueológico do Alto do Cidreira, em Carrascal de Alvide, voltámos ao local, a fim de nos inteirarmos do estado em que se encontram as estruturas visíveis desta villa romana, classificada como «imóvel de interesse público» por força do decreto n.º 26-A/92, publicado na 1.ª série do Diário da República, n.º 126, de 1 de Junho de 1992.
                As fotografias falam por si do estado de abandono a que o local está votado. Aproveita-se o espaço plano disponível para estacionamento e a Rua José Régio foi rasgada e alcatroada em plena área arqueológica, sem que os arqueólogos tivessem sido consultados, de forma a se proceder ao necessário acompanhamento arqueológico previsto na legislação em vigor.
            Urge, pois, perguntar: que futuro?

Um pouco de história
           A história dos antecedentes que levaram ao processo de classificação e à realização de sondagens em 1977, 1980, 1981 e 1982, encontra-se contada no Arquivo de Cascais 4 1982 9-27.
           O que de mais fascinante detém a villa romana do Alto do Cidreira é, sem dúvida, a sua excelente localização, entre o mar e a serra, donde se desfruta um panorama ímpar. Por isso, uma família romana decidiu escolher o local, há dois mil anos, para implantar a sua mansão.
          Conhecida a referência a esses vestígios desde a última década do século XIX, foi a sua localização identificada por Guilherme Cardoso, que aí dirigiu as referidas sondagens arqueológicas, com vista a delimitar-se a extensão das ruínas porventura ainda existentes e a determinar-se a sua real importância histórica.
           Essas sondagens permitiram a descoberta das estruturas de uma rica casa de campo, que teria dois andares, banhos quentes, mosaicos policromados a pavimentar as principais divisões, uma ampla sala e todos os cómodos para requintada habitação.
          A singularidade dos achados (a minimáscara do negro, o separador de tear, o dado de osso marcado, a enorme abundância de tesselas de mosaico, o relativo bom estado de conservação de algumas das estruturas, com muros de mais de 1 m de altura…); a grande pressão urbanística; e, de modo muito especial, a consciência de que, pela sua localização, se deveria pensar num projecto que preservasse as vistas e servisse a comunidade (numa zona desprovida de áreas de lazer e convívio) – foram os argumentos:
          1º) para se perguntar à Câmara, imediatamente após a realização das sondagens (1982) e antes de se tomar uma decisão quanto ao prosseguimento (ou não) dos trabalhos arqueológicos, o que é que desejava propor para o sítio;
         2º) para, atendendo à redobrada pressão urbanística, se propor a aprovação de uma ZEP alargada, que viabilizasse a realização de sondagens nos terrenos da envolvente e a elaboração pela Câmara – em consonância com os proprietários e os arqueólogos – de um plano de pormenor que salvaguardasse e valorizasse a villa e desse ordenamento ao local.

Tapar ou estruturar?
          Na sua Reunião Ordinária de 2 de Outubro de 2006, a Câmara Municipal de Cascais seguiu esse parecer e deliberou «propor ao Instituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR) a criação de uma Zona Especial de Protecção para a Villa Romana do Alto da Cidreira. Da mesma forma, a autarquia submeterá a esta entidade a aprovação do Estudo de Salvaguarda da área, classificada de Interesse Público.».
         Todo esse processo, porém, se atrasou, e por carta, datada de 2008-02-09, de resposta ao documento GDCC/2007/75584; Ofº 057958, de 14 11’07, assinado pela então vereadora da Cultura, Dra. Ana Clara Justino, em que se nos perguntava que haveria a fazer, respondemos:
         «Perante a indecisão camarária e a inoperância dos Serviços de Fiscalização, que nunca ousaram impedir a construção de edifícios na área de protecção e mesmo dentro do perímetro classificado, por várias vezes indicámos que, a continuar assim, o melhor era mesmo tapar as estruturas, para evitar mais degradações e, inclusive, para impedir que ali continuassem a ser depositados lixos domésticos das casas vizinhas.
          Uma vez que – por mais célere que seja a negociação em curso no âmbito do Plano de Pormenor – ainda se prevêem alguns meses mais antes de se poder programar a continuação das intervenções com vista a uma eventual musealização do sítio, a nossa opinião é a de que se proceda quanto antes, sob nossa orientação e com a colaboração camarária, à cobertura das estruturas, consoante se fez em Miroiços e, também, em Freiria nas áreas mais sensíveis».

Em conclusão:
           Nada se fez e a situação parece continuar num beco sem saída.
           Por conseguinte, a sinalização das ruínas; a resolução dos casos pendentes de regularização das habitações construídas na área arqueológica; a união de esforços entre os moradores, a Junta de Freguesia e o Executivo Municipal no sentido de, em colaboração com os arqueólogos, se estudar a solução plausível para recuperação de um espaço que melhor possa servir a comunidade – constituem, em nosso entender, objectivos passíveis de se concretizar.
           Assim o esperamos!
                                                                                Guilherme Cardoso
                                                                                José d’Encarnação
 
1 – Sob as ervas, em 1º plano, jaz um dos tanques do balneário romano.

2 – A estrutura central da casa romana.

3 – A rua que, junto ao marco geodésico, atravessou a área arqueológica.

4 – Vista de sul de duas das casas erguidas na área de protecção da villa:
uma, imponente e habitada; a outra, embargada há mais de 30 anos.
Publicado em Cyberjornal, 26-01-2015:

 

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