quinta-feira, 14 de maio de 2015

O Poeta morreu?…

            Se me não engano, é uma glosa a este verso de Zeca Afonso – «Vão dizendo em toda a parte o Pintor morreu» – do poema «A morte saiu à rua» que assinala o fim da peça Torga, ora em cena no Mirita Casimiro (até ao dia 30 deste mês de Maio), numa evocação da personalidade e da obra de Miguel Torga, no ano em que passam 20 anos da sua morte.
            Encenou Carlos Avilez o texto que Carlos Carranca e Miguel Graça prepararam. Passagens dos Diários, poemas, excertos de peças como Sinfonia, Mar, Terra Firme e Paraíso, revitalização de episódios vividos… Tudo envolvido em intenso halo poético, sereno, inserido em despojado cenário, povoado apenas de sugestões, onde a Palavra campeia, os bancos são paralelepípedos caiados de branco, a prisão uma grade apenas…
            Pelo caminho, aqui e além, as mensagens, as ideias; alguma raiva, até, contra um desconcerto real que ao Poeta, ao Homem e ao Cidadão não agradava nada.
            Escreveu Carlos Avilez que achou «importante iniciar as comemorações dos cinquenta anos do Teatro Experimental de Cascais com um texto deste grande poeta», acrescentando que se relembra aqui «a condição inequívoca da Poesia, povoada de poetas desajustados, marginais, que procuram a razão de ser da sua existência, seres que dão à luz e vão morrendo. Mas… um Poeta não morre».
            E, na parede dos fundos, vão aparecendo rostos, de vez em quando, a relembrar os que já passaram ou os que fizeram o TEC: «Com este espectáculo homenageamos […] alguns dos actores que […] me têm acompanhado nesta enorme aventura» – são, ainda, palavras do encenador.
            E Carlos Carranca comenta, por seu turno, no texto do programa, que Miguel Torga viu no homem civilizado «o símbolo da degradação existencial» e que, em farsa, o ‘bicho homem’ afirma «a sua liberdade, ganhando a vida a perdê-la».
            Vão bem os actores. Aprecia-se o monólogo de Domingos, o pescador que, na peça Mar (que o TEC levou à cena, no Gil Vicente, em 1966), conta como uma sereia lhe apareceu, um dia. Gosta-se de Teresa Côrte-Real, taberneira, uma interpretação ímpar, ao seu melhor jeito. Mas regista-se, acima de tudo, um verdadeiro achado: o saxofone de Eduardo Abreu, em palco, a acentuar, em escassos segundos (dir-se-ia), qual coro de tragédia grega, esta ou aquela fala, este ou aquele passo. É um calor bom, singelo mas bom, de mui excelente recorte. Parabéns!

                                                                    José d’Encarnação


 

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