sexta-feira, 8 de maio de 2015

Tentar descobrir onde está!

            23 minutos após a hora marcada para a consulta, o médico vem cá fora e explica:
            Estão a tentar descobrir onde está! Eu pedi para hoje…
            Não era previsível que a prótese tivesse desaparecido no percurso entre a clínica e o laboratório. Em tempo normal e numa outra idade (Eugénio já tem70 feitos…), era capaz de vociferar, de clamar contra a incompetência reinante, contra a falta de civismo. Ocorrer-lhe-ia perguntar: «Num tempo em que as comunicações são tão fáceis, em que se assinar um ‘pacote’ a contemplar todos os telefonemas para todos os telefones fixos e móveis de todas as redes… não poderiam ter-me telefonado?». Não perguntou. Antes, quando o médico lhe veio trazer a novidade, apenas exclamou, com toda a sinceridade:
            Óptimo!
            Óptimo, não – retorquiu o médico.
            Óptimo, sim! Se a perderam, vou ter direito a outra!
            Esse era, no entanto, o dia de ser posta à prova toda a sua serenidade.
            De facto, esperou dez minutos na recepção para lhe ser marcada nova consulta. Preencheu, em termos curiais, o «inquérito de satisfação» (neste caso, de «insatisfação»: «Num serviço com tanto movimento e em que está previsto o atendimento por dois funcionários, não parece compreensível que, em horário de consulta para 4 dos 5 consultórios previstos, haja apenas uma funcionária». Aliás, nesse campo do atendimento, tentara antes o contacto com uma entidade que era suposto estar acessível. Não estava. Ou, pelo menos, o telefone tocou, tocou, tocou até que o sistema optou por desligar automaticamente.

Deixar o carro e ir de comboio
            Partia de seguida para Lisboa. Antes, porém, foi arrumar o carro num parque pago, que felizmente ficou com um lugar livre no momento; dispunha-se a estacionar num lugar vago, quando o guarda lhe veio dizer: «Estacionar aí pode, mas o código da estrada tanto é válido lá fora como aqui!». Os condutores haviam estacionado mal, comentou o senhor, e, por isso, esse espaço parecia livre, sem reserva para deficientes, mas não estava, era mesmo para deficientes. Resignou-se.
            Na bilheteira, tudo bem; esperou dois minutos, o tempo suficiente para dar uma olhadela ao mapa dos serviços mínimos previstos para a greve do dia seguinte, 16 de Abril. Recebeu, entretanto, uma chamada no telemóvel: a apresentação do livro prevista para a quinta-feira seguinte fora adiada sine die, por motivo de força maior; teria, pois, de alterar tudo o que agendara para essa semana.

Uma piscina cheia de… areia!
            O comboio partiu às 17.16 horas previstas. Estava um sol radioso e os termómetros marcavam 24 graus centígrados. Da janela, viu a Piscina Alberto Romano e pasmou: acumulara-se a areia lá dentro até à borda e havia dois catraios que a utilizavam como se fosse praia!... Compreende-se: ainda se não estava em época estival, as diligências balneares ainda poderiam esperar mês e meio.
            Consoladinho com a ideia de estar vivo e mantendo na boca o sabor tropical do pastel de coco que agarrara na bancada da cozinha, Eugénio usufruiu, em pleno, do quentinho da carruagem. O painel luminoso vermelho dela marcava 30/03/15 14:12 – e estava-se a 15-04-15 e eram 17:50!... Coisas!
            Rogou a S. Pedro que não deixasse chover, agora que ia sair. S. Pedro não o ouviu. No Cais do Sodré, a paragem dos táxis tinha fila e táxis não se vislumbravam por perto. Foi a pé até ao Museu do Carmo, entre uma pinga e outra, a chuva parecida com aquela que chamamos de “molha-tolos”. O certo é que, à noite, no noticiário, veio a saber que sobre Lisboa caíra uma tromba de água!...
            À hora da deita, pensou: fora simpática a cerimónia da entrega dos prémios a investigadores na Associação dos Arqueólogos Portugueses; e, apesar de todos os incidentes do dia e esse seu olhar clínico sobre uma realidade ‘desconcertada’, valera a pena vivê-lo!

                                                                    José d’Encarnação

Publicado em Costa do Sol – Jornal Regional dos Concelhos de Oeiras e Cascais, nº 91, 06-05-2015, p. 6.

 

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