‒ Estão a tentar
descobrir onde está! Eu pedi para hoje…
Não era previsível que a prótese
tivesse desaparecido no percurso entre a clínica e o laboratório. Em tempo
normal e numa outra idade (Eugénio já tem70 feitos…), era capaz de vociferar,
de clamar contra a incompetência reinante, contra a falta de civismo. Ocorrer-lhe-ia
perguntar: «Num tempo em que as comunicações são tão fáceis, em que se assinar
um ‘pacote’ a contemplar todos os telefonemas para todos os telefones fixos e móveis
de todas as redes… não poderiam ter-me telefonado?». Não perguntou. Antes,
quando o médico lhe veio trazer a novidade, apenas exclamou, com toda a
sinceridade:
‒ Óptimo!
‒
Óptimo, não
– retorquiu o médico.
‒ Óptimo, sim! Se a perderam,
vou ter direito a outra!
Esse era, no entanto, o dia de ser
posta à prova toda a sua serenidade.
De facto, esperou dez minutos na
recepção para lhe ser marcada nova consulta. Preencheu, em termos curiais, o «inquérito
de satisfação» (neste caso, de «insatisfação»: «Num serviço com tanto movimento
e em que está previsto o atendimento por dois funcionários, não parece compreensível
que, em horário de consulta para 4 dos 5 consultórios previstos, haja apenas uma
funcionária». Aliás, nesse campo do atendimento, tentara antes o contacto com
uma entidade que era suposto estar acessível. Não estava. Ou, pelo menos, o telefone
tocou, tocou, tocou até que o sistema optou por desligar automaticamente.
Deixar o carro e ir de
comboio
Partia de seguida para Lisboa.
Antes, porém, foi arrumar o carro num parque pago, que felizmente ficou com um lugar
livre no momento; dispunha-se a estacionar num lugar vago, quando o guarda lhe veio
dizer: «Estacionar aí pode, mas o código da estrada tanto é válido lá fora como
aqui!». Os condutores haviam estacionado mal, comentou o senhor, e, por isso,
esse espaço parecia livre, sem reserva para deficientes, mas não estava, era
mesmo para deficientes. Resignou-se.
Na bilheteira, tudo bem; esperou
dois minutos, o tempo suficiente para dar uma olhadela ao mapa dos serviços mínimos
previstos para a greve do dia seguinte, 16 de Abril. Recebeu, entretanto, uma
chamada no telemóvel: a apresentação do livro prevista para a quinta-feira
seguinte fora adiada sine die, por
motivo de força maior; teria, pois, de alterar tudo o que agendara para essa semana.
Uma piscina cheia de…
areia!
O comboio partiu às 17.16 horas
previstas. Estava um sol radioso e os termómetros marcavam 24 graus centígrados.
Da janela, viu a Piscina Alberto Romano e pasmou: acumulara-se a areia lá
dentro até à borda e havia dois catraios que a utilizavam como se fosse praia!...
Compreende-se: ainda se não estava em época estival, as diligências balneares ainda
poderiam esperar mês e meio.
Consoladinho com a ideia de estar vivo
e mantendo na boca o sabor tropical do pastel de coco que agarrara na bancada
da cozinha, Eugénio usufruiu, em pleno, do quentinho da carruagem. O painel luminoso
vermelho dela marcava 30/03/15 14:12 – e estava-se a 15-04-15 e eram 17:50!...
Coisas!
Rogou a S. Pedro que não deixasse chover,
agora que ia sair. S. Pedro não o ouviu. No Cais do Sodré, a paragem dos táxis
tinha fila e táxis não se vislumbravam por perto. Foi a pé até ao Museu do Carmo,
entre uma pinga e outra, a chuva parecida com aquela que chamamos de “molha-tolos”.
O certo é que, à noite, no noticiário, veio a saber que sobre Lisboa caíra uma
tromba de água!...
À hora da deita, pensou: fora
simpática a cerimónia da entrega dos prémios a investigadores na Associação dos
Arqueólogos Portugueses; e, apesar de todos os incidentes do dia e esse seu
olhar clínico sobre uma realidade ‘desconcertada’, valera a pena vivê-lo!
José d’Encarnação
Publicado em Costa do Sol – Jornal Regional dos Concelhos
de Oeiras e Cascais, nº 91, 06-05-2015, p. 6.
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