Setor em português, sector em inglês. Pasmei! E
perguntei-me a mim mesmo como será doravante ainda mais difícil ensinar a nossa
língua, se essas novas regras vierem a ser efectivamente tornadas ainda mais obrigatórias
do que ditatorialmente hoje já são.
A
reflexão impôs-se no meu espírito, ao receber o livro Português, Meu Amor, apresentado em Hamburgo – a cidade alemã mais
portuguesa – a 1 de Abril.
Reúne
o volume 49 artigos publicados ao longo dos últimos anos pelo Dr. Peter Koj no
boletim da Associação
Luso-Hanseática, de Hamburgo, Portugal-Post
[Correio Luso-Hanseático].
Peter
Koj veio para Portugal, em comissão de serviço, ao abrigo do acordo cultural existente
entre os dois países, como docente do Instituto Alemão, de Lisboa. Instalou-se,
em 1976, no Estoril e, por sugestão de uma amiga comum, bateu-me à porta com a seguinte
proposta: eu ensino-te alemão e tu ensinas-me português. Recordo-me que lhe
disse que isso venha mesmo a calhar, porque acabara de receber uma carta inteiramente
redigida em alemão e aproveitava para lhe pedir a tradução ,
mesmo por alto. Verifiquei, porém, que, para compreender o princípio, Peter
tivera que ler até ao fim; eu, que, embora tivesse aprendido latim e soubesse
que a do alemão era uma estrutura frásica semelhante, retorqui-lhe, pois, com
um provérbio: «Sabes, burro velho não aprende línguas!».
Recusei
a aprendizagem, não a leccionação .
E, ao longo de todo o período em que Peter Koj esteve connosco, com ele fui aprendendo
muito, porque, aluno extraordinariamente diligente, me punha questões que me
obrigavam a estudar. Uma aprendizagem mútua, que, por vezes, nos deu enorme
‘gozo’, quando, por exemplo, decidimos fazer o rol (imenso!) das palavras e expressões
que têm o significado de bebedeira ou, ainda, os sinónimos de «fugir». Quando
vimos as múltiplas formas de dizer «fugir» até pensámos: se calhar, é essa uma característica
portuguesa!...
A
odisseia das formas verbais; este hábito horrendo de comer tudo (não se diz
‘têlêfôná’, como os brasileiros, mas ‘telfuná’!...); os idiotismos; os
provincianismos e as diferentes pronúncias locais… – tudo foram escolhos a ultrapassar,
até porque Peter Koj, além de ter percorrido o país de Norte a Sul, fazia
questão em ler os jornais e estar ao corrente dos livros mais ‘badalados’. Repito:
foi para mim uma grande aprendizagem.
Aliás,
em Cascais, incrementou largamente o intercâmbio entre estudantes: alunos de
escolas alemãs estavam uma temporada em casas dos pais de alunos portugueses e,
depois, eram os portugueses que iam a Hamburgo.
No
livro, Peter Koj debruça-se sobre as diferenças – para os estrangeiros, deveras
curiosas – de identificação da
‘imperial’, da ‘bica’…; o universo das siglas; os particípios activos e
passivos (há muita gente que não sabe que se diz ‘ter matado’, ‘ter aceitado’ –
e não ‘ter aceite’…); a diferença entre ‘ser e ‘estar’; os aumentativos que têm
valor de diminutivo; o uso constante do «mais ou menos»; o amplo significado do
advérbio «oportunamente»; a história da presidenta...
Creio,
por conseguinte, que mesmo para os «portuguêsfalantes» (!) o livro constituirá
uma aventura curiosa, até porque, nesse jeito de ‘saber sorrir’ que Peter Koj
de nós aprendeu, há dispersas pelo volume caricaturas de… «partir o coco!».
Também
na medida em que fui parte dessa aprendizagem, não posso deixar de me regozijar
com a iniciativa, sobretudo, no momento em que a invasão dos anglicismos
ameaçava afundar a enorme riqueza de uma língua falada por mais de 240 milhões
de pessoas (há que repeti-lo!), a 5ª língua europeia mais falada no Mundo.
Acrescente-se
que a Peter Koj, hoje com a bonita idade de 76 anos, foi atribuído, em 1996, o Prémio
da Fundação da Casa da Cultura de Língua
Portuguesa, pelo seu dinamismo em divulgar a nossa língua. E se ora lhe não
posso eu dar um prémio, aqui fica o meu enorme aplauso por este livrinho de 164
páginas – que depressa carecerá de nova edição ,
estou certo!
José d’Encarnação
Publicado em Costa do Sol – Jornal Regional dos Concelhos de Oeiras e Cascais,
nº 87, 08-04-2015, p. 6.
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