«…
O que pode dar uma imagem errada do estatuto social dos cadáveres, pois muitos
tornavam-se na morte aquilo que não foram em vida».
«Quis
dizer» mas, lendo melhor, é bem provável que não tenha dito. Primeiro, porque o
estatuto social do cadáver é… ser cadáver e daí não podemos sair. E que os
cadáveres se tenham tornado na morte aquilo que não foram em vida é, no mínimo,
estranho, porque não há cadáveres vivos, quanto se saiba!... Em sentido real,
entenda-se, porque no figurado até parece que – feliz ou infelizmente – andarão
por aí bastantes!...
Claro,
o autor queria referir-se era aos mortos, aos indivíduos e não aos seus
cadáveres! E aí tem razão: há pessoas que a morte vem transformar! Já lá dizia Celestino
Costa, num dos seus poemas: «Prós poetas, Pátria querida / És madrasta toda a
vida / Só és mãe depois da morte!». E com frequência se observa: «Olha, aquele
foi preciso morrer para lhe darem importância!». Por isso, Herberto Hélder,
recentemente falecido, sempre disse que não queria louvores em vida nem depois
de morto!...
Este
caso levou-me, contudo, a reflectir sobre o facto de tantas vezes usarmos
expressões sem sentido. Já não me refiro ao ããã… que antecede tantas frases e
que só sai porque a boca está aberta. E admiro-me como, em televisão e rádio,
isso não seja insistentemente corrigido, porque, além de nada significar,
incomoda!
Coligi,
duma assentada:
‒ «A colectividade tinha uma sede e mais não
sei o quê!»
‒ «Não sei se estás a ver…»
‒ «Dá-me aí o coiso!»
‒ «Então, vá!»
Todas
elas são uma maravilha, a denotar grande falta de rigor do pensamento e imprecisão
vocabular. Agora, o «então, vá!» com que se terminam tantas conversas é, para
mim, o máximo!... Então… vá! Vá para onde, senhores? Não estão a mandar o interlocutor
a nenhum sítio esquisito, ora não?
José d’Encarnação
Publicado em Renascimento (Mangualde). nº 660, 15-04-2015, p.
12.
ResponderEliminarTeresa Silva Ontem às 9:01
Delicioso, é tão bom ler português verdadeiro, tão rico, diverso, auto-explicativo e versátil! Até me dá arrepios ouvir os comunicadores dos media atuais, principalmente os pseudo-lisboetas, que atrofiam as palavras na boca e usam um vocabulário perfeitamente anoréctico... Enfim obrigada pelas suas crónicas, beijinho de Coimbra.
Comentário meu: Beijinho retribuído, Teresa!