Ao
folhear a revista, especialmente dedicada a Carl Einstein (1885-1940), conhecido
crítico de arte, chamou-me a atenção
o inusitado do título do ensaio, decerto porque «guardar ou não guardar» constitui
uma das questões mais frequentes no meu dia-a-dia e, por outro lado, optando eu
por «guardar», importa sempre saber como o vou fazer, para que facilmente
esteja disponível quando disso eu precisar. Criamos inúmeras «pastas» no computador,
mas com frequência acabamos por não saber onde é que está isto ou aquilo e lá
temos de lhe dar duas ou três pistas a fim de que o seu cérebro o encontre.
Outro
chamariz houve no texto: em itálico, frases e palavras como Dicionário das Ideias Feitas (um livro
de Flaubert), copiar, ideias recebidas, a culminar,
porventura, na afirmação «a nossa
cultura actual é uma cultura da cópia». Já
explico porquê, porque, antes, importa esclarecer porque fracassei: foi porque
o texto do professor documenta às mil maravilhas o que, eventualmente,
pretenderá criticar, pois não há parágrafo que não tenha a reprodução da frase de alguém. Mesmo a afirmação da «cultura da cópia» é retirada de La Cultura de la Copia. Parecidos
sorprendentes, facsimiles insólitos, título de um livro de Henry Schwartz. Não
resisti a estar constantemente a ter de ir ver as notas para saber donde é que a
frase fora retirada e, além disso, acabei por não saber, três páginas lidas, que
haveria de novo nessa enorme recolha de citações. Erro meu, claro, que sempre
me considerei terra-a-terra, avesso a elucubrações – e peço desculpa por isso.
Interessou-me,
todavia, saber desse dicionário de Gustavo Flaubert, que se destinava, segundo
o próprio autor, a reunir, por ordem alfabética, «tudo o que há que dizer em
sociedade para se ser um homem decente e amável sobre todos os temas possíveis»
(ibidem, p. 221). Boa ideia!
E
recordei de imediato duas das iniciativas de Celestino Costa, a que a editora
Apenas Livros dera a mão: Dos Outros para
mim (2014), colectânea de frases de homens célebres, livro de cabeceira a
consultar «naqueles derradeiros minutos de vigília quotidiana »,
como tive ensejo de escrever, no prefácio; e Contos Recontados (2015),
a recolha de casos divertidos retirados das biografias de ilustres, «que
paulatinamente foi copiando, qual solitário monge em mui recat ada cela…».
Confidenciava-me
o autor: estou mesmo no fim da vida, já nada faço de novo, limito-me a copiar o
que outros fizeram…
É
curioso: longa caminhada feita, atingido o destino fixado, não deixa de ser alicia nte olhar para trás, anotar o caminho
percorrido, as peripécias passadas, os medos e as alegria s…
«Experiência» ‒ assim cabalmente se
designa o que a vida ensinou. E, ao que consta, será essa uma das grandes
distinções a caracterizar o ser humano: a capaci dade
que tem de aprender e, sobretudo, de transmitir aos outros o que acaba de
aprender.
Frequentemente
referia aos meus estudantes: Ora aí têm! Eu, com 40 anos, com 50 anos, com 60
anos, só agora é que tomei consciência desta situação
e da forma mais correcta de a aproveitar; vocês têm 20 e já ficam com o meu
testemunho; podem aproveitá-lo ou não, é decisão que lhes compete, a mim aquela
de, como docente, a partilhar.
Alguém,
outro dia, referindo-se ao comentário jocoso de um veterano, escreveu ao amigo:
«Eu fui ver e acho que a opinião está
fora do contexto (sem comentários para quem se acha professor de todos)».
Esse – suponho que
jovem – ‘acha’ muito; oxalá continue a achar, porque significará que adoptou uma
consciente atitude de pesquisa! Decerto, porém, não cairá na asneira de seguir
carreira de professor, porque, se a seguisse por vocação ,
bem depressa compreenderia essa natural característica do homem para a partilha
da experiência adquirida, sabe-se lá (quanta vez!) à custa de árdua procura e
muita reflexão!
Encanta-me recortar dos
livros – mesmo dos de ficção –
aquelas frases lapidares, diria que esculturalmente bem buriladas, que retratam
um estado de alma e que pululam hoje nos sítios da Internet sob o título «as
frases de…». Cristalizam uma ideia, um lema de acção ,
um sentimento único. Assim como o instantâneo captado pelo pintor ou pela objectiva
do fotógrafo – e que, de seguida, o não guardam para si e no-lo disponibilizam.
Do livro «O Segredo Perdido», de Júlia Nery, guardei, por exemplo, entre
muitas outras: «Lisboa depressa odeia os que muito aclama»; e: «Aprendi que o
grande sentido da vida é vivê-la».
Esses,
também, grandes segredos a partilhar!
José d’Encarnação
Publicado em Costa do Sol – Jornal Regional dos Concelhos de Oeiras e Cascais,
nº 89, 22-04-2015, p. 6.
Sofia Fonseca 24/4 às 10:52:
ResponderEliminarQuerido Professor, é mesmo! Eu guardo a frase do Milan Kundera, "Le sens de la vie c'est justement de s'amuser avec la vie". Vamos a isso? :)
Margarida Lino:
ResponderEliminarA vida é pura ilusão que passa rapidamente mas que deixa em toda a gente um espinho no coração. Põe cada um a seu jeito, moldado àsua maneira e a gente queira ou não queira segue sempre esses caminhos que quase sempre são de espinhos, poucas vezes de beleza e, sempre nesta incerteza, vai esmorecendo a esperança. Vai ficando só a dor, mas, se nasce uma criança, renasce em nós o ardor e, de pés ensanguentados, seguiremos esses trilhos, pois se a viva nos deu filhos então vale a pena viver!
Comento eu: Também os espinhos da rosa - como costuma dizer-se - ajudam as suas pétalas a terem ainda maior fulgor! Num quadro, há luz e sombras - daí lhe vem o encanto, querida Guida!
Domingos Barradas, 25/4 às 4:49:
ResponderEliminarPara mim o sentido da vida é, de facto, vivê-la, mas da forma mais aprazível possível, dada a sua finitude. Por isso, sobre a vida, este é o meu lema: " Provado está que a vida é curta e bela / E que se morre um pouco em cada dia / Não queira, sem querer, dar cabo dela / Não se irrite, sorria ".