sexta-feira, 24 de abril de 2015

O grande sentido da vida é vivê-la

             Confesso o meu fracasso: não consegui ler mais do que as duas primeiras páginas do ensaio «Estética do guardar-como», assinado por Domingo Hernández Sánchez, docente na Universidade de Salamanca, incluído a páginas 221-235 do número 11/12 (2012), da «revista de comunicação e cultura» Caleidoscópio, que é editada pelo Departamento de Ciências da Comunicação, Artes e Tecnologias da Informação, da Universidade Lusófona.
            Ao folhear a revista, especialmente dedicada a Carl Einstein (1885-1940), conhecido crítico de arte, chamou-me a atenção o inusitado do título do ensaio, decerto porque «guardar ou não guardar» constitui uma das questões mais frequentes no meu dia-a-dia e, por outro lado, optando eu por «guardar», importa sempre saber como o vou fazer, para que facilmente esteja disponível quando disso eu precisar. Criamos inúmeras «pastas» no computador, mas com frequência acabamos por não saber onde é que está isto ou aquilo e lá temos de lhe dar duas ou três pistas a fim de que o seu cérebro o encontre.
            Outro chamariz houve no texto: em itálico, frases e palavras como Dicionário das Ideias Feitas (um livro de Flaubert), copiar, ideias recebidas, a culminar, porventura, na afirmação «a nossa cultura actual é uma cultura da cópia». Já explico porquê, porque, antes, importa esclarecer porque fracassei: foi porque o texto do professor documenta às mil maravilhas o que, eventualmente, pretenderá criticar, pois não há parágrafo que não tenha a reprodução da frase de alguém. Mesmo a afirmação da «cultura da cópia» é retirada de La Cultura de la Copia. Parecidos sorprendentes, facsimiles insólitos, título de um livro de Henry Schwartz. Não resisti a estar constantemente a ter de ir ver as notas para saber donde é que a frase fora retirada e, além disso, acabei por não saber, três páginas lidas, que haveria de novo nessa enorme recolha de citações. Erro meu, claro, que sempre me considerei terra-a-terra, avesso a elucubrações – e peço desculpa por isso.
            Interessou-me, todavia, saber desse dicionário de Gustavo Flaubert, que se destinava, segundo o próprio autor, a reunir, por ordem alfabética, «tudo o que há que dizer em sociedade para se ser um homem decente e amável sobre todos os temas possíveis» (ibidem, p. 221). Boa ideia!
            E recordei de imediato duas das iniciativas de Celestino Costa, a que a editora Apenas Livros dera a mão: Dos Outros para mim (2014), colectânea de frases de homens célebres, livro de cabeceira a consultar «naqueles derradeiros minutos de vigília quotidiana», como tive ensejo de escrever, no prefácio; e Contos Recontados (2015), a recolha de casos divertidos retirados das biografias de ilustres, «que paulatinamente foi copiando, qual solitário monge em mui recatada cela…».
            Confidenciava-me o autor: estou mesmo no fim da vida, já nada faço de novo, limito-me a copiar o que outros fizeram…
            É curioso: longa caminhada feita, atingido o destino fixado, não deixa de ser aliciante olhar para trás, anotar o caminho percorrido, as peripécias passadas, os medos e as alegrias… «Experiência» assim cabalmente se designa o que a vida ensinou. E, ao que consta, será essa uma das grandes distinções a caracterizar o ser humano: a capacidade que tem de aprender e, sobretudo, de transmitir aos outros o que acaba de aprender.
            Frequentemente referia aos meus estudantes: Ora aí têm! Eu, com 40 anos, com 50 anos, com 60 anos, só agora é que tomei consciência desta situação e da forma mais correcta de a aproveitar; vocês têm 20 e já ficam com o meu testemunho; podem aproveitá-lo ou não, é decisão que lhes compete, a mim aquela de, como docente, a partilhar.
            Alguém, outro dia, referindo-se ao comentário jocoso de um veterano, escreveu ao amigo: «Eu fui ver e acho que a opinião está fora do contexto (sem comentários para quem se acha professor de todos)».
            Esse – suponho que jovem – ‘acha’ muito; oxalá continue a achar, porque significará que adoptou uma consciente atitude de pesquisa! Decerto, porém, não cairá na asneira de seguir carreira de professor, porque, se a seguisse por vocação, bem depressa compreenderia essa natural característica do homem para a partilha da experiência adquirida, sabe-se lá (quanta vez!) à custa de árdua procura e muita reflexão!
            Encanta-me recortar dos livros – mesmo dos de ficção – aquelas frases lapidares, diria que esculturalmente bem buriladas, que retratam um estado de alma e que pululam hoje nos sítios da Internet sob o título «as frases de…». Cristalizam uma ideia, um lema de acção, um sentimento único. Assim como o instantâneo captado pelo pintor ou pela objectiva do fotógrafo – e que, de seguida, o não guardam para si e no-lo disponibilizam. Do livro «O Segredo Perdido», de Júlia Nery, guardei, por exemplo, entre muitas outras: «Lisboa depressa odeia os que muito aclama»; e: «Aprendi que o grande sentido da vida é vivê-la».
            Esses, também, grandes segredos a partilhar!
                                                                            José d’Encarnação

Publicado em Costa do Sol – Jornal Regional dos Concelhos de Oeiras e Cascais, nº 89, 22-04-2015, p. 6.

 

 

3 comentários:

  1. Sofia Fonseca 24/4 às 10:52:
    Querido Professor, é mesmo! Eu guardo a frase do Milan Kundera, "Le sens de la vie c'est justement de s'amuser avec la vie". Vamos a isso? :)

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  2. Margarida Lino:
    A vida é pura ilusão que passa rapidamente mas que deixa em toda a gente um espinho no coração. Põe cada um a seu jeito, moldado àsua maneira e a gente queira ou não queira segue sempre esses caminhos que quase sempre são de espinhos, poucas vezes de beleza e, sempre nesta incerteza, vai esmorecendo a esperança. Vai ficando só a dor, mas, se nasce uma criança, renasce em nós o ardor e, de pés ensanguentados, seguiremos esses trilhos, pois se a viva nos deu filhos então vale a pena viver!

    Comento eu: Também os espinhos da rosa - como costuma dizer-se - ajudam as suas pétalas a terem ainda maior fulgor! Num quadro, há luz e sombras - daí lhe vem o encanto, querida Guida!

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  3. Domingos Barradas, 25/4 às 4:49:
    Para mim o sentido da vida é, de facto, vivê-la, mas da forma mais aprazível possível, dada a sua finitude. Por isso, sobre a vida, este é o meu lema: " Provado está que a vida é curta e bela / E que se morre um pouco em cada dia / Não queira, sem querer, dar cabo dela / Não se irrite, sorria ".

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