Na
qualidade de um dos arqueólogos responsável pelo sítio, não posso, pois, deixar
de me congratular com a iniciativa e louvar o jornal O Correio da Linha pela circunstanciada reportagem que inseriu na
sua edição de Junho (p. 18), sob o título «Caminhada noturna para ver milagres
de Cascais», assinada por Igor Garcia Pires.
Sem
entrar em pormenores e sem discutir a ‘filosofia’ que presidiu à caminhada, que
respeito, cumpre-me, porém, esclarecer algumas das passagens que mais
directamente se prendem com a arqueologia (e agradeço a Paulo Pimenta a
oportunidade de aqui publicar esses esclarecimentos):
1.
Titus Curiatius Rufinus não foi enterrado ali, que se saiba; ele foi,
sim, o dedicante de um altar à divindade Triborunnis (junta-se a foto),
o génio do local, a quem ele «pediu autorização» para se instalar. O altar é
datável do século I da nossa era. Rufinus foi, pois, um personagem real,
Rómulo e Remo são os fundadores lendários de Roma; dizer que Rufinus é
descendente deles é o mesmo que afirmar que todos nós somos descendentes de…
Afonso Henriques (muito embora este, ao contrário daqueles, tenha realmente
existido)! Dizer que Rufino está «ligado à fundação do Império Romano» não é,
pois, verosímil, pois se trata de mero colono particular, sem qualquer cargo,
que, vindo mui provavelmente da Península Itálica, aqui assentou arraiais, por
o sítio ser bom e abundante em água.
2.
Não há, em Outeiro de Polima, nenhum cemitério classificado como «monumento
nacional»; há, sim, uma villa (isto é, casa de campo) tal como a de
Freiria, ambas romanas e classificadas como imóveis de interesse público.
3.
Não há «alguns celeiros». A villa, residência que, em dado momento, foi,
seguramente, de Titus Curiatius Rufinus, tem, de facto, um celeiro; não
é único nem no Império Romano nem na Península Ibérica nem sequer no território
português. Dizer que estes terrenos foram, durante 500 anos, o «celeiro de
Roma» não é compreensível, por se tratar de uma zona minúscula, que poderia
abastecer, sim, Olisipo, a Lisboa
romana. Estava, além disso, demasiadamente afastada de Roma para ser o seu
celeiro, quando o abundante trigo da Sicília bastava para alimentar os
habitantes da Urbe.
4.
Esta zona não vai transformar-se ‘em alcatrão’. O Plano de Pormenor aprovado prevê,
por exemplo, uma enorme zona verde, hortas comunitárias e cuidadoso ordenamento
do território.
5.
Afirmar que foi aqui, na Conceição
da Abóboda, que tudo começou, ou seja, que ali se está “no coração de Cascais” carece de alguma explicação complementar, na medida em que temos, por
exemplo, em plena vila cascalense, uma gruta que foi necrópole em tempos
pré-históricos, ou seja, muito antes de os Romanos se haverem instalado em
Freiria. E há as grutas de Ala praia e
a gruta de S. Pedro do Estoril, que datam de há cinco mil anos atrás.
Publicado em O Correio da Linha [Oeiras] nº 292, 25-07-2013. p. 3.
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