Diz-se que o tempo é fautor de História (com maiúscula), porque só com o
tempo se obtém o distanciamento necessário para melhor se ajuizar de causas e
consequências. Por isso se hesita, por vezes, em fazer história dos nossos
dias, sob pretexto de que ela… não existe!
Tenho procurado apoiar a poesia dita «popular» como significativo
património cultural imaterial, a que, felizmente, ora se está a dar a
importância que merece, pois aí ingenuamente se reflectem atitudes perante a
realidade nossa contemporânea. Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia já o
compreenderam e não serão poucas as que contam no currículo a edição dos seus poetas.
Permita-se-me, pois, que, na sequência do que escrevi na passada edição acerca
do que terá sido o sentir português continental acerca
da permanência de soldados para os Açores no decurso da II Guerra Mundial, eu
evoque um outro episódio da minha infância.
Tinha eu nove aninhos e recordo como se fosse hoje: à entrada do mercado
saloio de Cascais, uma senhora cantava um fado sobre o grande descarrilamento
que ocorrera, na semana anterior, a 13 de Setembro de 1954, no rápido do
Algarve.
Hoje, estudos feitos, vejo nela a continuadora dos jograis d’outrora;
contudo, haverá alguém que tenha esses versos? Jornal algum da época os terá
transcrito? E, com efeito, em versos quiçá de pé quebrado, aí se mostrava o
pesar de todo um Povo perante o inesperado desastre que enlutara o País.
Há, evidentemente, alguns artigos já sobre o acidente. Vejam-se, por
exemplo: a notícia «O descarrilamento do "Rápido" do Algarve», Gazeta
dos Caminhos de Ferro, 67, 1 de Novembro de 1954, p. 305 e 309; e a evocação feita por Rogério Guinote Mota: «A tragédia do
“Rápido” do Algarve», O Foguete (Revista da Associação de Amigos do Museu Nacional Ferroviário), 10, 3º
Trimestre de 2004, p. 24-27. Contudo, esses versos dolentemente cantados
expressaram, sem dúvida, um sentimento que os relatos ponderados e concretos
nunca conseguirão transmitir!
Publicado no
quinzenário Renascimento [Mangualde], nº 596, 01-07-2012, p. 4.
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