Estreou
na passada sexta-feira, dia 20,
a peça teatral Woyzeck,
da autoria de Georg Büchner, que a escreveu em 1836.
Não se trata de vulgar peça de
teatro e quando se diz que o autor a «escreveu em 1836» não se está, mui
provavelmente, a dizer a verdade toda. Primeiro, porque há quatro manuscritos
diversos; depois, porque o autor morreu de tifo, com apenas 23 anos de idade;
finalmente, porque, devido a estar incompleta, se desconhece exactamente o que
Georg Büchner queria fazer. É certo que a versão «definitiva e filologicamente
correcta apenas ficou disponível em 1967», como esclarece Miguel Graça, responsável
por esta versão e pela sua dramaturgia; contudo, o que nos é apresentado são
quadros sucessivos, quase descosidos uns dos outros, em que o elo ligação será
o personagem que dá nome à peça, o soldado Woyzeck, progressivamente empurrado
para a loucura e para o assassínio da mulher que foi infiel, «consequências
directas da opressão que lhe é imposta pela sociedade em geral», nomeadamente
de uma médica tirânica que o sujeitou ao tratamento experimental de apenas se
alimentar de ervilhas…
Não se andará longe da verdade se dissermos que estes quadros são fruto
da ebulição ideológica que se vivia no dealbar do 2º quartel do século XIX
(recorde-se que se trata da época pós-napoleónica e do auge das revoluções
liberais um pouco por toda a parte…) e fruto também das perturbações e interrogações
de um Georg Büchner, que, alemão e inconformista perante o fracasso da Revolução
Francesa e revolucionário (chegou a tentar uma insurreição subordinada ao
slôgane «Paz às cabanas! Guerra aos palácios!»), deixara os estudos de Medicina para se refugiar na literatura.
São, pois, de extraordinária riqueza e de enorme intensidade dramática
todos os quadros e não admira, por isso, que Carlos Avilez, que assina, mas uma
vez, aqui, uma encenação deveras notável, mormente devido è sua complexidade,
apesar da aparente simplicidade que a nudez da cenografia poderia dar a entender,
haja escolhido a peça para prova (de fogo, dir-se-ia!...) dos alunos finalistas
da Escola Profissional de Teatro de Cascais.
São, pois, três os elencos que se vão revezando até 12 de Agosto, no
Mirita Casimiro, sempre observados por professores e actores que os avaliam.
Grande beleza plástica a da coreografia, assinada por Natasha
Tchitcherova. Extraordinário, o empenho de todos, não apenas dos doze (vezes
três) actores principais, mas de todo o elenco (chegam a estar em palco meia
centena de jovens actores!). Estão todos de parabéns.
E não resisto a duas a três pinceladas que particularmente me tocaram e
me incitam a solicitar que a peça volte a estar em cena.
Primeira: a alegoria do tempo. Começa-se a correr desenfreadamente, como
a querer tudo apanhar, numa loucura. Corre-se muito, no decorrer das cenas. Há,
porém, um outro quadro, inesquecível pela densidade singela que a sua mensagem
nos inocula: o protagonista arrasta, em diagonal, de uma ponta a outra da cena,
a longa cauda do tecido vermelho de sangue em que se embrulhara, lentamente,
lentamente, no mais completo silêncio, a dar-nos a lição de como um segundo é
muito e há que o aproveitar. Aliás, sentencia-se, a dado passo, num outro
quadro: «Não corras! Desce a rua devagar! Como deve ser!...».
E há frases destas, para fazer pensar, disseminadas aqui e além;
«Quando o carpinteiro aplaina as tábuas, ninguém sabe quem é que nelas se
vai deitar!».
«Conta-me uma história, como se eu fosse criança» – e a história conta-se,
do menino que olha para a lua, para o sol, para as estrelas… «E ainda lá está,
sozinho e a chorar».
«O caminho da vida é por ali, não é? Está tão escuro!... Tenho de ir
andando!».
«Quando ficamos frios, deixa de estar frio!»
E, a certa altura, o actor interpela o público:
«Estão a olhar para onde? Olhem para vocês!».
O objectivo, proclama-se no início, é mostrar o Homem «como Deus o
criou!». Na verdade, saímos desta sequência, esmagados, a pensar… neste Homem
que Deus criou! E as reflexões exaradas nesse dealbar do século XIX perante o fracasso
da grande revolução, servem-nos hoje, às mil maravilhas, perante o fracasso de
outras revoluções…
Publicado no Cyberjornal, edição de 22-07-2012:
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