terça-feira, 17 de julho de 2012

Lendas do Médio Oriente, dia 14: apoteose!


           García Lorca: Composto no ano 2000, em Granada. Sonoridade surpreendente. Primeiro, introdução; depois, dança-se! Ninguém diria que é um instrumento apenas e só o dedilhar de cinco dedos nas oito cordas do alaúde. Não há por aí saias roçagantes? Ninguém diria! Faz-se uma pausa agora, para um beijo ou um cheiro de amores-perfeitos no jardim do Alhambra. E há um véu que esvoaça. E não é corridinho algarvio também?
            Córdoba: Tímidos acordes, como vontade de quem não quer despertar belezas. Arrisca-se depois, num convite ora hesitante ora sedutor, em malabarismos de sons irrequietos ou dolentes. Mas desculpem: é só um instrumentista a tocar? Para onde, afinal, nos quer levar tão melodiosamente? Agora em cavalgada, parece! E cantamos baixinho.
            Primavera árabe: Num apoio à Tunísia e aos outros, um após outro. Começo plangente como quem pergunta: porquê? E há quem marche alegre, com pressa de cantar liberdade. Esboça-se um hino heróico. Ainda precisamos de avançar mais? E podemos ensaiar um passo de dança? Em frenesim, está bem? Que a vitória tem de ser nossa!
            Infância: Compôs para a filhota, de dois anos; agora tem sete. A ternura duma meiguice, na iniciação aos sons bonitos da vida. E pode ensaiar uns passinhos, não? Tens razão! A música é assim como um labirinto; mas poderás dançar sem te perderes, descansa! Saltita! E já sonho contigo, a saltitar pelos campos joviais! Vamos brincar? Correr, correr, correr!...
            Bagdade: De um Iraque donde saiu há 19 anos, devido à ausência de liberdade e também pela ocupação americana. Que posso mais fazer senão planger? Dói-me o coração, choro a ausência. Estou dolente e pergunto-me porquê. E se eu rodopiar, a tristeza passa? Rodopiarei então! E vocês vão cantar comigo! Há tanques ameaçadores ali? Deixá-los!
            De Ashur a Sevilha: Depois da flauta, foi o alaúde assírio o primeiro instrumento de cordas; todos os alaúdes de Sevilha vieram daí. Toquemos com a forma mais primitiva de o fazer: com cinco dedos só. Só com cinco dedos? Não parece! Ah! Já estamos no sapateado do flamenco, diríamos! E que dedilhar é este, senhores? Ecos do Tigre e do Eufrates, águas de ambos a beijarem o Guadalquivir? Assim em turbilhão não queremos! Ou é a euforia do encontro? Rodopiaremos, pois, em delírio!
A viagem das almas: Começa lentamente, como quem não quer partir. E há uma melodia ao longe, não ouves? Ainda hesito em partir, sabes? E se entoássemos uma canção? Seria melhor, não achas? Vá lá, façamos este diálogo entre os baixos e os altos. Pronto, estamos decididos: é partir! Eu domino bem a sonoridade do meu alaúde, numa carícia…
Retrato: Do folclore árabe. E este é mesmo para bailar. Até apetece bater palmas, assim ao ritmo do compasso. Mudemos os ritmos, para quebrar monotonias. E vai a melodia a ecoar pelo Atlas, frenética ainda, frenética… Ah! Mas não é um turbilhão de alaúdes, uma orquestra? Não. É um só. Parece mentira. E termina com uma só mão.
Síria: Foi o brinde aos cerca de 400 assistentes, num agradecimento aos senhores embaixadores árabes, ao Festival (na pessoa de Piñeiro Nagy), ao engenheiro do som, a quantos quiseram encher a Sala Atlântico do Hotel Palácio no Estoril, para o o ouvir a ele, Naseer Shamma, na noite de sábado, 14, e as suas «Lendas do Médio Oriente», ele que pela primeira vez está entre nós, no âmbito do 38º Festival de Música do Estoril.
Síria sacrificada, morte nas ruas, crianças… O som forte de quem aguenta a pé firme, sem vacilar e trauteando uma cantiga. Alguém tombou agora, choremos pelo inocente, numa canção de embalar! Rufam tambores mil pela cidade ensanguentada! Apoteose! E o Sol irá raiar de mansinho!... 

Publicado no Cyberjornal, edição de 16-07-2012:

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