Não
é a língua um veículo estático, como não é estática a população que a utiliza. A oralidade, por um lado, e o
aparecimento de novos conceitos até aí não traduzidos em linguagem, por outro,
obrigam à utilização de novas
palavras (os neologismos) ou à alteração
do modo de escrever certas palavras por melhor corresponder ao que se ouve ou
se diz.
Sou visceralmente
contra o novo acordo ortográfico, justamente naqueles aspectos em que, à
força, por uma vontade política (desgarrada da realidade, como amiúde acontec e), se impõe uma grafia que não respeita a
etimologia nem uma alteração a nível
da oralidade, tendo apenas como justificação
uma pretensa uniformização – como se
isso trouxesse algum benefício palpável!... «Aspecto», por exemplo, tem c por via da sua etimologia e assim
existe em francês (aspect) ou em
espanhol (aspecto) e só não existe em
italiano, porque desde cedo a abertura da vogal anterior aí se obteve através
da introdução da consoante dupla (aspetto),
assim como acontec e na língua
portuguesa no caso de cç: correcção ,
redacção …
Casos em que a
evolução acontec eu
devido à oralidade: uma terra chamada Torrezela acabou por ser hoje Atrozela;
outra que era Abóbada acabou por começar a escrever-se Abóboda, porque assim o
povo a estava a pronunciar.
Casos de novos
conceitos que se aportuguesaram ou vão incorporar-se na linguagem do dia-a-dia,
por estarem a ser muito usados: alunar, bué, e-mail, sms… Estes dois últimos em
fase de absorção , porque é mais
complexo escrever ‘correio electrónico’ (continuará a hesitar-se algum tempo
entre grafar e-mail ou email) e, em relação
ao segundo, ainda não há equivalente (nem nunca haverá, decerto) para short message system, e rapidamente se decidirá de vez se
vamos optar pelo masculino ou – o que é mais provável – pelo feminino: «Vou
enviar-te uma sms», porque o que predomina é a noção
de ser uma «mensagem curta».
Não posso,
porém, pactuar com esta mania que ora invadiu as nossas empresas, inclusive as
entidades e departamentos do Estado Português, supostamente obrigadas a defender
o património cultural imaterial que é a língua (Convenção
para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial aprovada em Outubro de 2003),
submetendo-se, sem tir-te nem guar-te, a uma absurda e inconcebível tirania da
língua inglesa, universal inimiga figadal das identidades nacionais e
regionais. Não concebo, por exemplo, a utilização
da palavra newsletter, que hoje
grassa, qual epidemia, pelo País. Newsletter,
porquê? Não temos vocábulos de sobra que possam substituir este anglicanismo
avassalador? «Boletim Informativo», «Notícias», «Noticiário», «Folha Informativa»,
«Informações», «Novidades», «Ecos», «Jornal»… Serão precisas mais? E se é
noticiário de um museu, por exemplo, não bastaria pôr o nome do museu, seguido
de um número e uma data, acrescidos, ou não, de palavras como semanário, quinzenário,
boletim mensal, semestral…?
Se não somos
nós a defender a nossa identidade cultural – uma vez que a outra já não temos… –
que vai restar de um dos países mais antigos da Europa?
Façamos, pois,
campanha contra os estrangeirismos escusados! Nada de «best of», «workshop», «brainstorming»,
«meeting», «call center», «call of papers» e anorma lidades
quejandas!... Gritemos como Henrique Lopes de Mendonça, em 1890: «Às
armas! Às armas!».
Publicado no
quinzenário Renascimento
(Mangualde), nº 609, 01-02-2013,
p. 11.
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