– Ó filho, quantos anos tem a mãe?
– 89, Mami. 89!
– E eu pensava que já tinha 90!… 90 anos é muito
ano, não é?…
No pequeno guarda-roupa do quarto de lar, há
roupa pendurada, mas outra, muita, na parte de baixo, a monte, resultado da
busca matinal do casaco a condizer com a saia.
– Fui eu que fiz, filhote. Com trapinhos. Ia
juntando… As velhas aqui do lar não acreditam. «Feito de trapinhos!…» – troçam
elas. Mas é verdade! A mãe tinha muito jeito para estas coisas. E de trapinhos
fiz este casaco. Fica bem, não fica?… Ó filho, que idade tem a mãe?
– 89, Mami. Vais fazer 90 em Outubro.
– 90! É muita idade, não é? Graças a Deus, que
ainda me mexo bem! Elas estão sempre a dizer: «Lá está a velha a fazer
ginástica!». E eu faço, queres ver? Ainda vou lá abaixo com os braços!
…
Pára de repente, olha-me com uma lágrima
inesperada a bailar-lhe no azul lindo dos olhos:
– Esta semana, filho, aconteceu-me uma desgraça.
Aquele malandro chamou-me. E fez-me mal. Malvado!…
Bate com ambas as mãos, fechadas, na cabeça.
Abana-a:
– Com esta idade, filho! Que vergonha!
– Não aconteceu nada, mãe. A médica já viu. Não
aconteceu nada! Também isso sucede connosco, que temos muito menos idade:
sonhamos à noite uma coisa e aquilo é tão real que, ao acordarmos, chegamos a
pensar: «Mas eu sonhei ou foi mesmo verdade?». Há sonhos, mãe, que a gente até
gostava que tivessem sido realidade. Assim aqueles que metem garotas giras…
Rimo-nos. Espairecemos.
– Dá cá o braço, vamos almoçar!
José d'Encarnação
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