A
obra, de 420 páginas, contou com a colaboração
dos professores João Luís Cardoso, para a Pré-História, e Raquel Vilaça, para a
Proto-história, uma vez que aos dois coordenadores gerais caberiam,
naturalmente, as épocas em que são especialistas: a Romana e a Medieval.
A edição , datada de 2012, esteve a cargo da Livraria
Figueirinhas do Porto (ISBN: 978-972-661-219-3) e, conforme se lê na Apresentação , os editores não impuseram «quaisquer
particulares condições» nem sugeriram «qualquer modelo». Aliás, diga-se desde
já, que o modelo adoptado – o de «glossário ou vocabulário e, ao mesmo tempo, o
de enciclopédia ou tratado» – se nos afigura assaz adequado ao fim em vista,
porque, apresentado em duas colunas, em letra miudinha, o negrito de cada
entrada (topónimo, etnónimo e/ou nome comum ou técnico – em português ou em
latim) é suficientemente realçado para rapidamente se chegar aonde se quer,
tanto mais que, como num dicionário norma l,
se pôs em cabeçalho a primeira palavra (página da esquerda) e a última (página
da direita). Além disso, o formato (23,5 x 15,7 x 3) apresenta-se facilmente
manuseável, o que muito importa em obra de frequente consulta, como esta.
A
Apresentação cumpre rigorosamente o
seu papel: apresenta a obra, explicitando critérios, opções e objectivos,
indicando o que presidiu à escolha deste verbete em detrimento de um outro. De
resto, terminam os autores recomendando que se leiam as instruções de uso (p.
10). E, após a identificação dos 24 colaboradores
seleccionados (louve-se o recurso à nova geração
de arqueólogos), não se esquece o importante papel que teve José Luís Madeira
no que se refere às ilustrações (só desenhos, nenhuma fotografia, a mostrar a
relevância que o desenho detém em Arqueologia), que primam pela exactidão, num
estilo a que esse técnico já nos habituou; realce-se também a esbelteza da
própria capa, estilizado aceno às pinturas do Côa e homenagem implícita à
Epigrafia no título do volume – o que, como epigrafista, muito me cat ivou e agradeço.
20
páginas de bibliografia seleccionada (p. 359-398), legendas mais pormenorizadas
das 170 imagens (p. 399-404), índice geográfico (p. 405-411) e índice temático
(p. 413-417) completam este dicionário, que expressamente se declara de Arqueologia e não «da Arqueologia Portuguesa».
Poderá supor-se que é de somenos esta diferença semântica; não o é, porque o
«da» implicaria, a meu ver, a referência aos agentes, ou seja, aos arqueólogos
– e essa é função não para um
dicionário mas, de modo especial, para uma História da Arqueologia, como
aquela, a título de exemplo, a que Carlos Fabião lançou mão e, mesmo assim, com
todo o cuidado também no título: Uma
História da Arqueologia Portuguesa (Clube do Coleccionador dos CTT, Lisboa,
2012).
Numa
apreciação geral, que não se prende
– como é óbvio – com a especificidade de cada um dos verbetes, dir-se-á que se
trata de uma obra susceptível de interessar e de ser muito útil não apenas para
os arqueólogos já credenciados, que poderão ver aqui como se faz uma síntese,
como em poucas palavras se consegue dizer muito, mas também para os estudantes
e, até, para o público em geral, designadamente aquele que alguma vez se deixou
seduzir pelo indiscutível fascínio que esta disciplina detém.
Nesse âmbito,
anote-se que os índices, mormente o geográfico, como não são muito extensos,
devem ser consultados com cuidado, como os autores mui avisadamente advertem
nas Instruções, inclusive em relação às entradas: «Se o leitor procurar determinado
nome […] e não o encontrar na ordem alfabética das entradas, não deve concluir
apressadamente que ele não figura no Dicionário».
Não encontrará, por exemplo, nem nos índices, o topónimo Cascais; mas isso
não significa que, de Cascais, se não tenha falado das grutas de Ala praia ou das de S. Pedro do Estoril, referenciadas
por estes topónimos.
Evitaram os autores esmiuçar assuntos polémicos ou
entrar em grandes elucubrações que se não compadecem, na verdade, com o teor de
um dicionário com estas características, até porque, para assuntos específicos,
há a bibliografia que apontam (embora, neste âmbito, a ausência da menção aos volumes da Bibliografia Arqueológica Portuguesa elaborados por Eduardo Pires
de Oliveira quiçá pudesse ter sido evitada, porque, queiramos ou não, ali está
compendiado tudo o que se escreveu sobre Arqueologia em Portugal desde o século
XVI até 1979); e, de facto, para cada concelho do País, temos, na quase
totalidade, cartas arqueológicas editadas ao longo dos últimos trinta anos,
como, de resto, os autores assinalam no final da Apresentação . Contudo, se, por vezes, se alude às campanhas
de escavação efectuadas num sítio
(Milreu, Conímbriga…), nem sempre tal acontec e,
como é o caso – que se estranha – da villa
de S. Cucufate (Vila de Frades, Vidigueira), quiçá por modéstia de um dos
coordenadores, que foi um dos seus responsáveis, tanto mais que nem sequer se
indica, na bibliografia, a obra que dá conta desses resultados: Jorge de ALARCÃO, Robert ÉTIENNE
e Françoise MAYET, Les Villas Romaines
de S. Cucufate (Portugal), Paris, 1990. E, não tendo estado no espírito
desta obra, a referência à existência de um museu de sítio ou de um centro
interpretativo poderia também não ser despicienda; e essa reflexão ocorreu-me
quando li as entradas «Conímbriga» e «Odrinhas», onde tal menção inexiste e onde os museus anexos assumem papel
relevante.
No que concerne à bibliografia, num caso como este, de
um dicionário que se pretende prático e acessível, terá sido sempre uma dor de
cabeça para os autores tomarem decisões, sabendo, de antemão, quanto elas
poderão criar susceptibilidades. Veja-se o caso de Balsa (p. 53): cita-se Mantas 2003, um texto inserido num amplo cat álogo de síntese sobre a cidade, que só é
referido porque esse texto vem lá; o trabalho pioneiro (em meu entender) de
Jeannette Nolen (Cerâmicas e Vidros de
Torre de Ares – Balsa, Lisboa, 1994) não é mencionado, como, em relação a todo o Algarve, o não é a obra de Maria Luísa
E. V. Affonso dos Santos, Arqueologia Romana
do Algarve (Lisboa, 1972). Não se trata, obviamente, de uma crítica; apenas
de uma advertência ao leitor, porque ser exaustivo nesse domínio não esteve nos
desígnios dos autores, que tiveram ante si a dificílima tarefa de, a todo o
momento, tomarem uma decisão nem sempre não eriçada de espinhos.
E, já agora, só
para dar um exemplo do tema ‘assunto polémico’ – ou que pode ser polémico, por
haver diferentes opiniões – a que atrás aludi, referiria apenas a afirmação , exarada na p. 117, de que foi o arquitec to eminiense Caius
Sevius Lupus quem «construiu o famoso farol romano da Corunha» e a ele
também aí se atribui «mais do que provavelmente» a construção do forum
de Aeminium. Trata-se, com efeito, de
uma saudável suposição tanto num
caso como noutro.
Quanto ao
lapso Quinta do Marim por Quinta de Marim (p. 295-296), pesa-me ter sido
eu quem está na sua origem; já por diversas vezes o corrigi, mas ainda não
entrou no quotidiano essa correcção .
E porque se
trata de Arqueologia, não há lugar para questões linguísticas, embora a elas se
acene, no que concerne, nomeadamente, às línguas pré-romanas ou, concretamente,
à língua dita «lusitana»: não há nenhum verbete sobre o assunto, tratado, no entanto,
quando Raquel Vilaça se debruça sobre a Idade do Ferro (p. 181), aí referindo os
locais onde existem inscrições nessa língua. Um aceno é feito também às gentilitates (p. 172), remetendo Jorge
de Ala rcão para a noção de linhagem, distinta de clã (p. 198). Cá está
um dos casos que mereceu alusão, mas sobre o qual não era de adiantar – e não
se adiantou –, porque se prende mais com a organização
social e política daqueles tempos e por aí os autores não poderiam seguir, até
por se ter em conta que, neste momento, precisamente no que concerne às gentilitates, os mais recentes achados e
as novas interpretações que proporcionaram acabaram por trazer uma outra luz ao
que se sabia ou, simplesmente, se suspeitava.
Enfim, como se
vê, não obstante apenas Dicionário, a
obra em apreço acaba por suscitar entusiasmo, vontade de mais saber.
Compendiando o que já se conhece, abre pistas para melhor se compreender o
valor de uma disciplina e se entender o Passado. E esse não deixará de ser –
sem dúvida! – um dos méritos maiores do livro que, em tão boa hora, a Livraria
Figueirinhas do Porto acedeu publicar: salientar a importância que tem a
Arqueologia como escrínio da Memória antiga, no urgente cimentar de uma Identidade!
Queiram ou não as vozes contrárias!
Publicado em Cyberjornal, edição de 6 de Fevereiro
de 2013:
E divulgado
em: http://ml.ci.uc.pt/mhonarchive/archport/msg15493.html
Vou "roubar" para o meu blog. Não leve a mal. António Tvaraes
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