Trata-se
de mais uma edição da Câmara
Municipal de Cascais, datada desse ano de 2009: 189 páginas, ilustradas, a
cores, ISBN: 978-972-537-186.1, versões
em português e em inglês.
Foi salientado ser o primeiro
roteiro concebido nestes moldes em mais de 75 anos de existência do museu, «com
base em estudos realizados por especialistas de cada uma das matérias
abordadas». Não é, contudo, o primeiro roteiro do museu: houve um, dos
primeiros tempos, e João Alfredo Donas de Sá Pessoa, que aí foi conservador de 1974 a 1976, elaborou
um novo roteiro, ainda que de apenas 24 páginas.
O
palácio, primeiramente designado Torre de S. Sebastião, legado pelos Condes de
Castro Guimarães ao Município de Cascais, é, no fundo, uma casa-museu, pois
'vive' do espólio por eles deixado, de que se destaca a preciosa biblioteca,
com volumes raros, de grande interesse histórico-documental, entre os quais a Crónica
do Mui Esclarecido Príncipe D. Afonso Henriques, de Duarte Galvão, com a
mui conhecida iluminura a retratar Lisboa e o seu porto no séc. XVI. Contudo,
para além disso, há as pinturas e outras obras de arte, há mobiliário (notável
a sala do indo-português), faianças e, sobretudo, o «deleite espiritual» que a
«casa» pode proporcionar a quem a visita, como preconizava o grande museólogo
João Couto.
Constitui,
pois, o Roteiro síntese substancial acerca
da importância do acervo ali exposto, pois que houve o cuidado de chamar, como
se disse, especialistas para escreverem sobre os diferentes tipos de espólio
nele existentes
Assim, traça Sandra
Leandro uma panorâmica da maravilha que é, do ponto de vista arquitectónico,
este edifício ‘revivalista’ de primórdios do século XX, devido ao génio do
arquitecto Jorge O’Neill (1849-1925), inspirado na cenográfica fantasia de
Manini (o arquitecto da Quinta da Regaleira), debruçado sobre um dos recantos
mais bonitos da vila de Cascais, a enseada de Santa Marta (p. 11-41). Vítor
Silva traz a sua interpretação, em termos assaz esotéricos, do jardim que o
Conde encomendou para enquadramento do edifício e, sobretudo, do local onde,
com a esposa, queria vir a ser sepultado (p. 43-51). Coube a Miguel Soromenho a
descrição da ermida de S. Sebastião, precioso templo, ricamente decorado de azulejaria,
datável do século XVI (p. 53-61). Maria Assunção Júdice refere-se (p. 63-67) às
preciosidades bibliográficas que o Conde foi adquirindo, entre as quais edições
raras datadas dos séculos XVII e XVIII e, como atrás se disse, a magnífica Crónica, da autoria de Duarte Galvão, a
cuja importância histórico-documental Paulo Pereira dedica as p. 69-73 do Roteiro. A colecção de pintura – quer os
quadros que foram pertença do Conde quer os que, ao longo dos anos, o Município
foi adquirindo, para a enriquecer, nomeadamente no que respeita a obras cuja
temática tivesse a ver com Cascais – é analisada por Isabel Falcão (p. 75-99),
cabendo-lhe também o capítulo da escultura (p. 101-111). José António Proença chama
a atenção para as peças do mobiliário, tanto o português como, sobretudo, indo-português,
de que o museu detém singular colecção. Leonor d’Orey – que em 2005 estudara,
em monografia, A Colecção de Ourivesaria
do Museu Condes de Castro Guimarães, luxuosa edição do Município local – apresenta aqui uma síntese dessa pesquisa,
mostrando a originalidade e riqueza das baixelas daquela casa condal.
Mas não nos ficamos
por aqui, pois Maria Antónia Pinto de Matos dá conta do que de admirável há na colecção
de porcelana chinesa (p. 147-155); Luís Manuel de Araújo, com a competência que
lhe é reconhecida, mostra-nos o «núcleo egípcio» formado por “dois pequenos
escaravelhos inscritos na base, um disco solar com um ofídio em posição frontal,
uma estatueta da deusa Taueret (protectora das mulheres grávidas) e outra do
deus Bês (protector da intimidade do lar), além de uma conta de faiança»; além destas
seis peças, há ainda «três imitações algo frustres» de peças egípcias (p. 157).
Victor S. Gonçalves, dá conta, por seu turno, do espólio arqueológico que no
museu se foi guardando, resultante das campanhas de escavação efectuadas em sítios
do concelho desde finais do século XIX: o que há da gruta do Poço Velho, das
grutas de Alapraia e de S. Pedro do Estoril, as cerâmicas campaniformes, os artefactos
votivos de calcário, dando, a concluir, informação acerca do interesse de dois
povoados do 3º milénio, sitos em Parede e no Estoril (p.165-171). Aliás, nesse
mesmo dia 4 de Abril, se abriu a nova sala destinada a apresentar essa notável
colecção arqueológica.
Termina o roteiro – que, pode dizer-se, é
também quase um verdadeiro catálogo – por um texto de José António Proença
acerca de outros objectos, não enquadráveis em nenhuma das categorias
anteriores, mas que assumem, no contexto, real valor: realça a colcha da Índia
em seda natural, bordada, do século XVII, que se expõe no quarto dos condes; o
órgão de tubos, fabricado em Braga, por Augusto Joaquim Claro, que se mostra na
Sala de Música do museu – seguramente um dos seus recantos mais acolhedores – e
que ainda hoje, de vez em quando, funciona; era, aliás, a música um dos
passatempos preferidos do Conde, sendo ele proprio exímio organista...
A bibliografia (p.
181-189) arrola as principais obras citadas, onde falta, naturalmente, por a
quase totalidade dos autores não ser de Cascais, a referência ao muito que, por
exemplo na imprensa local, ao longo dos tempos se tem escrito sobre o edifício
e sobre o museu. Também não seria, quiçá, esse o sítio adequado para essa
‘excursão’; no entanto, cremos que nenhum dos autores terá tido a percepção do
interesse da imprensa para ajuizar de como a população sente um monumento e, nesse caso, um museu, que foi, até há pouco
tempo, o único museu de Cascais.
Nele se desenrolaram,
na verdade, algumas experiências pioneiras, dada a sua proximidade de Lisboa e o
facto de o palácio ter sido legado ao povo de Cascais no final da década de 20
do século passado, por disposição testamentária e com cláusulas precisas acerca
do seu funcionamento e do seu ‘relacionamento’ com a população cascalense.
Recorde-se que João Couto, figura ímpar da Museologia portuguesa, foi seu conservador;
recorde-se que o nome oficial do museu é Museu-Biblioteca, devido à relevância
enorme que nele tem o acervo bibliográfico que o Conde fez questão em pôr ao
dispor de todos. Aliás, outro dos conservadores que por ali passou foi
Branquinho da Fonseca que ensaiou, por isso mesmo, a iniciativa de uma
biblioteca itinerante (que, aos domingos, tinha um percurso definido pelas
terras do interior do concelho, a fim de levar livros à população, que os mantinha
sob empréstimo durante um mês), iniciativa que Branquinho da Fonseca levaria
depois para a Fundação Calouste Gulbenkian, implantando a orgânica das bibliotecas
itinerantes por todo o País. Relevo especial merece também a conservadora Dra.
Alice Beaumont – que mais tarde viria a dirigir o Museu Nacional de Arte Antiga
– pelo empenho posto na criação dos Serviços Educativos para as crianças,
quando essa actividade ainda dava os primeiros passos quer no Museu da Gulbenkian
quer no Museu Nacional de Arte Antiga.
De excelente apresentação gráfica, o presente Roteiro constitui, pois, alicia nte
e irrecusável proposta para uma demorada visita.
Publicado no Cyberjornal,
edição de 20 de Fevereiro de 2013:
Divulgado através da lista museum,
a 21 de Fevereiro de 2013:
Sem comentários:
Enviar um comentário